Infortunística

Há de parte de uma larga parcela do público uma curiosidade mórbida por fatos violentos e o que se convencionou chamar de mundo cão.

Programas de rádio e televisão que abordam esses assuntos são de grande sucesso e, não raro, trampolim para que seus apresentadores acabem numa cadeira parlamentar. Como se falar em crimes e desgraças evidenciasse, desde logo, competência para legislar e exercer com competência o papel de fiscais do poder público. A esse tipo de programa poderíamos chamar “infortunística”, emprestando à legislação e doutrina trabalhistas o termo que abrange acidentes de trabalho e outros problemas enfrentados pelos trabalhadores.

Ligar a maioria das emissoras de televisão no Brasil à tarde ou até o horário dos jornais da noite, é receber uma pesada carga de informações e imagens sobre desgraças, infortúnios, maledicências e espetáculos de mundo cão. Mas há a liberdade de imprensa e ela é importantíssima numa democracia. Não podemos correr o risco da censura, muito menos da proibição. A esperança sempre foi que haja consciência tanto dos apresentadores desses programas, quanto das emissoras.

Agora, entretanto, por ação iniciada pela Advocacia Geral da União, o Ministério da Justiça decidiu classificar cinco telejornais policiais, dentre eles os nacionais “Cidade Alerta” (Record) e “Brasil Urgente” (Band), exibidos às 17h30, como inadequados para exibição antes das 21h, porque impróprios para menores de 14 anos de idade. Motivo: a violência que exibem.

Outros três programas do Ceará sofreram limitações idênticas. As emissoras não ficariam proibidas de continuar exibindo esses programas no horário que bem lhes aprouvesse, mas se sujeitariam a processos. A distribuição de programas por horários, para preservar as crianças, é uma defesa bastante frágil.

O Ministério da Justiça, levando em consideração que inexiste no Brasil a censura prévia, apressou-se em revogar a medida proibitória, ao tempo em que foi demitida a autoridade que a baixou. Desde logo ficou claro que a revogação foi motivada pela pressão das emissoras atingidas. O que tornará o episódio de relativo resultado será as direções das emissoras ficarem mais atentas à formação da sua grade de programas.

A Globo, depois da revogação, foi advertida por antecipar o Big Brother numa noite em que uma de suas participantes apareceu com os seios nus. Desaparece a proibição, mas permanece a vigilância.

À tarde, muitas emissoras se dedicam a programas de mundo cão, mas nesse horário a maioria das crianças está, ou deveria estar, nas escolas. No horário agora recomendado, depois das 21 horas, as emissoras estão dedicadas à apresentação das novelas, que nem sempre são da melhor qualidade e não raro exploram abusivamente temas inadequados para as crianças. De qualquer forma, menos prejudiciais. Mas de nada adianta jogar programas policiais para competirem nesses horários com as novelas, pois estas sempre terão a preferência da maior parte do público adulto. E as crianças já começam a sentir o remédio adequado para quem estudou e brincou o dia inteiro: o sono.

Fica a esperança de que, pelo menos nesse horário em que a gente acaba de sair do trabalho, está cansado e ainda preocupado com as crianças que têm lições para fazer ou precisam de uma distração sadia, existam menos programas de violência, mesmo que não sejam proibidos.

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