O fenômeno da alta de preços que, por sua vez, reanima a inflação, aos poucos vai se espraiando por todos os países, mas nesse momento quem paga o preço maior pela eventual desordem econômica é a Argentina. Como era previsível, a crise acabou se transformando numa enorme enxaqueca para o governo presidido pela ex-primeira dama Cristina Kirchner.
A previsibilidade da crise foi alimentada durante muito tempo pela falha inconcebível de escamotear os índices reais da inflação, quando era dever imediato do governo tomar medidas enérgicas para evitar o alastramento da escalada de preços. Ao contrário, a Casa Rosada determinou que a política de concessão de subsídios e gastos públicos prosseguisse a plena carga, na vã suposição de manter elevado o consumo para induzir o domínio da inflação pelo controle de preços e manipulação dos indicadores econômicos.
Segundo o governo, o índice oficial de preços dos últimos 12 meses até maio acusou 9,1%, ao passo que analistas e economistas que prestam serviços a consultorias privadas calculam que a inflação real na Argentina deverá estar situada em algum patamar entre 25% a 30%. Na verdade, um percentual deveras preocupante. As mesmas fontes admitem para incremento do desespero dos consumidores de classe média, que nos próximos 12 meses a partir desse mês, a taxa inflacionária austral poderá ter chegado a 34,7%. Uma rápida operação da calculadora de bolso indica que esse número é o dobro do resultado apurado há um ano atrás.
O quadro é o indicativo eloqüente da manipulação dos dados econômicos por parte do Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec), instituição pública que opera nos moldes do nosso Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Hoje se comenta abertamente nos meios financeiros de Buenos Aires, que o próprio governo exerceu ao longo do ano passado uma forte pressão sobre os dirigentes do órgão, levando-os a apresentar números subestimados. O resultado foi a explosão de uma aguda crise que não apenas cobriu de descrédito o Indec, mas obrigou o governo a rever a posição arbitrária e ordenar a substituição da metodologia utilizada para calcular os índices inflacionários.
Não bastasse a fase delicada vivida atualmente pela presidente Cristina Kirchner, o patronato rural (uma categoria extremamente fortalecida na Argentina) tem recrudescido os protestos contra atitudes governamentais, além de arregimentar a massa para estridentes panelaços frente à Casa Rosada. A situação do país vizinho é de tal forma inquietante que, nesse momento, o tripé da crise que a cada dia é mais intensa está sustentado pelo desabastecimento de alimentos nos centros de consumo, paralisação dos produtores agropecuários desde março e a recente greve dos caminhoneiros.
Os ruralistas aceitaram o embate com o governo em face do anúncio da elevação da alíquota do imposto cobrado na exportação de grãos, um setor em que a Argentina sempre registrou apreciável desempenho. Fontes ligadas ao movimento reiteram que bastaria uma palavra oficial quanto à intenção de revisar o aumento do imposto para o desarmamento dos espíritos. A medida não causaria maior desgaste ao governo, garantem analistas de mercado, tendo em vista a mínima contribuição que daria ao controle da inflação. Por outro lado, dizem os conciliadores, a medida teria extraordinário significado político numa fase de agravamento dos conflitos.
Numa atitude sintomática e, acima de tudo prenunciadora de soluções pacíficas, a presidente Cristina Kirchner decidiu confiar ao Congresso a questão do aumento do imposto sobre exportações, mediante a remessa de um projeto de lei que altera o sistema de retenções e alíquotas sobre vendas externas de soja, milho e girassol. Todos sabem que é preciso agir sem demora, inclusive Cristina, porquanto seu prestígio está em queda livre. Segundo a última aferição, em desprezíveis 19% de apoio popular.