Quando um político muda de partido em pleno mandato, não está traindo só a agremiação pela qual se elegeu. Está traindo o seu eleitorado, que nele votou não só por seus belos olhos, mas porque abraçava uma legenda e, com ela, todo o seu programa, seu ideário, sua ideologia. No Brasil a coisa não é e nunca foi assim. Os partidos nada mais representam que uma sociedade formada por determinados grupos para tomar o poder e partilhar seu patrimônio. E se não são fortes para tanto, podem negociar com outros que precisam do seu concurso para ganhar maioria e fazer do governo casa da sogra ou empresa onde podem atuar em proveito de interesses comuns.
O Tribunal Superior Eleitoral, em decisão recentíssima, interpretando uma consulta administrativa feita pelo deputado Ciro Nogueira (PP-PI), quis acabar com essa farra através de uma correta interpretação. Disse que os deputados que trocam de partido após a eleição estão sujeitos à perda do mandato mesmo se estiverem em legenda da coligação pela qual foram eleitos. Em março último, o TSE já havia afirmado que o mandato é do partido, sugerindo a sua perda como conseqüência da troca de legenda. Esse entendimento aplica-se a deputados federais e estaduais e a vereadores, não valendo para senadores e governantes. Esta a interpretação, mas a decisão de aplicá-la passou a ser condicionada ao pronunciamento do Supremo Tribunal Federal. Os presidentes de Legislativos procrastinam, dizendo que não lhes cabe tomar nenhuma providência enquanto os ministros do Supremo não exararem a sentença final. E os suplentes que ficaram fiéis aos partidos e, por isso, têm direito aos mandatos, continuam chupando o dedo, esperando que a turma do troca-troca, os infiéis, sejam defenestrados dos cargos que ocupam sem nenhum direito.
Esta já era uma situação constrangedora, pois de acordo com o entendimento da Justiça Eleitoral muitos dos nossos representantes, por terem trocado de partido em pleno mandato, não têm legitimidade para nos representar. Mas lá estão, legislando e, no mais das vezes, negociando, não raro em proveito próprio. E os partidos continuam sendo uma ficção, uma placa, um esconderijo apropriado para quem tem intenções políticas inconfessáveis.
Agora ficou pior. A Câmara dos Deputados, com muitos dos seus integrantes que trocaram de partido ameaçados de perder o mandato, aprovou um projeto que é a reafirmação da infidelidade para com o eleitorado. Esse projeto anistia todo o troca-troca ocorrido no passado e também o que vier a acontecer até 30 de setembro deste ano. Vai mais adiante, mantendo aberta a brecha de um mês, a cada legislatura, para que os políticos continuem a mudar de partido de acordo com suas conveniências eleitorais. O projeto foi aprovado por 292 votos contra 34, o que nos sugere que a turma de parlamentares com vergonha na cara é uma minoria. Emendas ainda pendentes podem alterar esse quorum, para melhor ou mesmo para pior. Depois, o projeto vai para o Senado, onde terá também de ser votado.
Para os deputados do troca-troca, o projeto é bem melhor que o soneto balbuciado pelo Tribunal Superior Eleitoral, pois não objetiva resolver o problema, mas quebrar o galho dos que já mudaram de partido. Eles recebem anistia. Muita coisa pode ainda mudar por emendas na Câmara ou alterações no Senado. E nunca é demais sonhar com uma decisão inconteste do Supremo Tribunal Federal que acabe essa festa, aqui e agora. Isso devolveria à oposição 23 mandatos de deputados que migraram para a base governista desde as eleições. E lamento nenhum merecerão estes que perderão seus mandatos, pois são, em sua maioria, parlamentares eleitos com votos de legenda. São mandatos dos partidos e o povo não os elegeu.