Ivahy Detlev Will

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Antes do Natal, um sonoro Inferno.

Religioso ou ateu, mas todo aquele que ainda é pensante e um tanto sensível e que também tem já uma certa idade nas costas, seguramente sente saudades dos natais de ontem. Eles eram simples, tranqüilos, suaves e sem barulho. Mas hoje, também o Natal está nas garras da barulheira imposta e tolerada.

Ao invés de uma Trindade, suave, reinam hoje trios elétricos infernais. Presentes a todo momento e em toda parte. Afanosamente trabalha-se (ou deve dizer-se, nesse caso, ?obra-se??…) para produzir gerações de surdos totais. De ouvido, orelha e, sobretudo, mente.

Sinfonia do Diabo

A sensibilidade dos espíritos mais cultos está condenada a uma morte inglória. Uma morte pelo desprezo, pelo massacre.

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Aos moradores nas imediações da Praça Oswaldo Cruz foi servida uma apresentação assim. Um esquisito presente de Natal. Isto aconteceu na noite de 23 a 24 de dezembro, antevéspera de Natal. O shopping que lá existe permaneceu aberto, varando a madrugada adentro e emendando ao dia seguinte. Nada contra esse comércio intensivo. Mas tudo contra o pandemônio que se instalou na confluência da Visconde de Guarapuava com Brigadeiro Franco, ante as portas daquele shopping. Um lugar onde já em dias ?normais? o trânsito motorizado é um perigoso pesadelo. Sobretudo para os pedestres. Naturalmente falo daqueles pedestres que respeitam as regras de trânsito. Que não são muitos. Todavia, bem menor ainda é o número de motoristas que conduzem os seus carros de maneira correta e humana.

Naquela madrugada pandemoníaca, duas compactas correntes de automóveis se digladiavam raivosamente por espaço vital, lá na esquina da Visconde e Brigadeiro. Cada qual querendo ter a primazia de chegar ao tão fervorosamente desejado ?Templo das Compras?. Logo, esbarrões mútuos, buzinaços e impropérios. Ao que parece, aqui muitos motoristas (?!) primeiro adquirem a buzina, para só depois acoplar nela um automóvel. Em certos momentos até mais parecia véspera de um dia de certas mães. Tantos os ?fedapês? que ali fraternalmente eram trocados. Estacionava-se os carros descaradamente sobre as faixas de pedestres. Aliás, aquela faixa para pedestres situada defronte a porta do shopping, na Visconde, é costumeira e diretamente desrespeitada. Serve o seu espaço para ali se plantar carros… Diga-se ainda de passagem sobre esta passagem para péandantes, que o tempo ?verde? no semáforo, para eles impiedosamente concedido, é sadicamente breve. Precisa alguém ter boa saúde e ser atleticamente lépido para vencer o largo espaço da avenida para chegar vivo à outra margem. E que não lhe aconteça tropeçar ou torcer o pé. E tem de engolir ainda a sem-vergonhice daqueles motorizados que lhe atropelam seus direitos e lhe ameaçam de morte. Talvez seja este o local em Curitiba onde mais se desrespeita as regras de trânsito. Dia e noite. Claro, o estacionar em frente a portas de garagem, isso aqui não poderia faltar. Um panorama doente. Tendo por fundo musical (?!), ainda, o barulho lancinante de caixas de som, que a bordo de carros desfilam acintosamente… Jericos exibicionistas, que com trombetas tentam romper os muros das suas próprias e incuráveis limitações de espírito.

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Oh, cidade de primeiro mundo; se for assim, pobre mundo.

Esgueirando-se pelas sombras desse alienante burburinho natalino, como zumbis, maltas sinistras de ameaçador aspecto estavam por toda parte… E dentre eles, não poucos adolescentes visivelmente oriundos de lares, de famílias, que em tempos passados eram e podiam ser chamados de decentes…

Oh, noite infeliz!

Como era tranqüilo aqui, quando no lugar onde hoje está um shopping estava o velho quartel.

… e aquela imensa massa humano-natalina se empurrava e se movia… Como se fosse um tapete de lava, que nada e ninguém poderia deter.

A febre do espírito natalino levava, religiosos e não religiosos, todos de roldão. Por breves momentos e exceções, um espetáculo quase enternecedor. Mas ao mesmo tempo deprimente e de assustar.

Porém, dos males o menos pior.

Ainda bem que ante os pés daquela grande multidão, em trânsito e em transe, não estava aquele menininho, o da manjedoura. Porque aí, sem querer, é claro, pés e pneus cegamente o teriam pisoteado.

E teriam conseguido o que nem Herodes conseguiu.

Ivahy Detlev Will é da Academia de Letras do Vale do Iguaçu – União da Vitória – PR.