Representantes das indústrias do trigo e de derivados criticaram nesta manhã a proposta de tornar obrigatória a adição de farinha refinada, de fécula ou de raspa de mandioca à farinha de trigo. A determinação está prevista no Projeto de Lei 4679/01, do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Na audiência pública promovida pela comissão especial que analisa o projeto, alguns participantes disseram que a medida pode comprometer a qualidade de determinados produtos e frustrar as expectativas do consumidor.
"Vivemos em um país de mercado livre, estamos inseridos em um contexto de mercado globalizado e não aceitamos nenhuma imposição", disse a presidente da Associação Brasileira da Indústria de Massas Alimentícias (Abima), Eliane Kay. Para o presidente do Sindicato da Indústria do Trigo no Estado de São Paulo, Luiz Martins, a obrigatoriedade de adição de farinha ou fécula de mandioca à farinha de trigo fere o princípio da livre iniciativa e o direito do consumidor, além de criar normas desiguais para o produto nacional e o importado. Também diretor da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Martins observou que a proposta é diferente, por exemplo, da adição obrigatória de ácido fólico e de ferro à farinha, que, como assinalou, não altera o produto como acontece com o uso de farinha mista.
Receita consagrada
O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria (Abip), Marcos Salomão, reforçou que a obrigatoriedade proposta no PL 4679/01 compromete alguns produtos, que teriam de ser retirados de linha, gerando desemprego. Na opinião do presidente do Sindicato da Indústria de Panificação e Confeitaria de Santo André (SP), Antônio Carlos Henrique, também diretor da Fiesp, essa obrigatoriedade representará "um retrocesso" no setor de panificação. Ele ressaltou que o pão francês, de grande importância na alimentação do brasileiro, é feito puramente de trigo. Segundo ele, o acréscimo de um novo ingrediente vai mudar as características e o sabor do produto.
O argumento da qualidade e da aceitação do produto pelo consumidor também foi apresentado por Eliane Kay e pelo vice-presidente da Associação Nacional da Indústria de Biscoito (Anib), José dos Santos dos Reis, que disseram não ser contrários ao estímulo ao setor mandioqueiro, mas sim à obrigatoriedade prevista no projeto. A presidente da Abima chamou a atenção para o caso específico do macarrão, que, segundo ressaltou, necessita de uma farinha de trigo com qualidade protéica maior, o que seria comprometido com a adição da fécula de mandioca. "Vamos criar uma barreira técnica à exportação", alertou.
José dos Santos dos Reis, da indústria de biscoitos, defendeu que a decisão sobre a adição de farinha ou fécula de mandioca seja sempre do fabricante, com base na eficiência tecnológica, na vantagem econômica e na aceitação do consumidor. "Podemos correr o risco de que, diante de uma eventual rejeição do consumidor à farinha mista, a obrigatoriedade possa incrementar as importações de produtos derivados do trigo e já manufaturados, em detrimento das fábricas nacionais, destruindo postos de trabalho em toda a cadeia do trigo", alertou.
Outra opinião
O presidente da comissão especial que analisa o projeto, deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR), destacou, no entanto, que as pesquisas contrariam as declarações dos representantes da indústria do trigo e derivados, pois mostram que a farinha mista não prejudica os produtos, com exceção talvez do macarrão. "Eu consumo pão francês há mais de 50 anos e não percebi diferença no pão feito com farinha mista", garantiu o deputado, referindo-se ao produto servido durante o debate. Segundo ele, o que se busca é salvar dois setores fragilizados – o mandioqueiro e o de trigo -, "importantes para a economia e para o povo brasileiro".