É sempre denso o contraditório acerca da cultura das multas eletrônicas que se alastra País afora, sempre com a alegação, pelos agentes interessados no negócio, da educação para o trânsito. Desde que o serviço foi entregue à iniciativa privada, fabricantes de equipamentos tiram proveito da vigilância sobre a cidadania com as mais variadas formas, que vão desde a desinformação de incautos até a eventual desatenção dos motoristas. Refém do sistema, o poder público acaba sendo envolvido em freqüentes escândalos. Acontece agora um deles com o prefeito de Curitiba, Cassio Taniguchi.
Certo ou errado (é o que a Justiça deverá decidir), o alcaide está sendo acusado perante o Ministério Público do Paraná pelo vereador Adenival Gomes, do PT, de ter cometido improbidade administrativa ao mandar pagar para a empresa Consilux Consultoria e Construções Elétricas Ltda., responsável pela fiscalização eletrônica da cidade, valor que se aproxima dos quatro milhões de reais, correspondente a multas de trânsito anistiadas na capital paranaense. Isto é, de multas que, na prática, não existiram.
Conforme publicamos na edição de sexta-feira, o valor se refere a cerca de 409 mil infrações por excesso de velocidade que foram “perdoadas” pela Prefeitura entre setembro de 1999 a setembro de 2001, período em que se desenvolveu uma campanha de educação que deveria, inicialmente, durar apenas dois meses. A “dívida”, segundo afirma o vereador, baseado em documentos idôneos, foi parcelada e continua sendo paga até hoje, conforme acerto realizado na época em que – lembremo-nos todos – a concessionária era simplesmente sócia com percentual fixo na divisão do bolo produzido pelo serviço das multas aplicadas.
Em sua defesa, o prefeito de Curitiba manda dizer aos cidadãos que agiu com a certeza do cumprimento de seus deveres, para o que teria sido aconselhado pela Procuradoria Geral do Município, depois de ouvir também o palpite de um perito criminal. A referida campanha educativa, que durou mais que o previsto inicialmente, cobriu exatamente um período de ebulição político-eleitoral, quando existiam argumentos muito fortes (com a possibilidade de contaminar o resultado das urnas) contra a adoção do sistema eletrônico. Mas isso não está sendo questionado no momento.
O que salta aos olhos é que, além de não ter recebido pelas multas, a Prefeitura por elas pagou e continua pagando. E caro. Negócio bom apenas para a Consilux que, mesmo sendo sócia no lucrativo negócio, não corria risco algum, nem mesmo conseguiu ter paciência com a fase “educativa” da iniciativa.
Essa questão aflora exatamente num momento em que a administração do município anuncia a entrada em operação de um número sem precedente de novos radares – fixos e móveis – para reforçar em toda a cidade o sistema de fiscalização. Embora a empresa Urbanização de Curitiba S/A – URBS e a própria Diretran afirmem que os novos pontos foram cuidadosamente estudados dentro da ótica da maior segurança aos munícipes, tem equipamento instalado debaixo de árvores ou camuflados em outros detalhes da paisagem urbana, em locais de pouco ou quase nulo trânsito de pedestres, deixando evidente a preocupação com a arrecadação e, não, com a segurança. Foi esse, aliás, o resultado de uma pesquisa realizada dia desses pela TV Iguaçu. A manifestação dos cidadãos é quase unânime: há mais preocupação com encher os cofres que prestar serviço à comunidade, seja na área da educação, seja na de segurança.
Além de questionar esse pagamento por multas não aplicadas (se a obrigação decorre de contrato, que se lance luzes sobre o que foi pactuado sem muita preocupação com o dinheiro do contribuinte), seria muito oportuno que a Câmara Municipal se preocupasse com outros detalhes dessa indústria das multas de trânsito. Que tal, por exemplo, ir a fundo numa investigação completa sobre o que é feito com o dinheiro arrecadado pela ação dos olhos eletrônicos da cidade?