Indulgência exagerada

Uma das marcas da personalidade e da atuação do presidente Lula à frente do governo é a indulgência. É indulgente em especial com os membros do seu governo, mesmo quando há prova provada de que agiram em desacordo com as normas éticas e mesmo de forma contrária à lei. Lula sempre os apóia, perdoa e justifica. Quando isso se afigura difícil ou impossível, alega ignorância. Ele, como presidente, de nada sabia, mesmo quando foram denunciados os mega-escândalos, como o do mensalão.

Esse posicionamento de Lula não é desejável, tanto mais que ele é o presidente da República e, portanto, serve de exemplo para os demais membros do governo e para a Nação. No mais, é função sua defender o país e não a turma que o cerca, os partidos que o apóiam ou as forças que gravitam em torno do seu poder. Não basta um governo que pareça honesto. É preciso que ele efetivamente seja honesto e enérgico no exigir que em seu nome tudo seja feito dentro das mais rígidas normas éticas.

Agora mesmo um desses desvios de conduta vem a lume. Lula lamentou publicamente a demissão da ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, quando foi revelado que ela, usando o cartão corporativo, havia gastado mais que qualquer outro membro do primeiro escalão do governo. E gastado mal, pagando com o dinheiro do povo contas até de terceiros, aluguéis de carros e inclusive uma compra numa loja livre de impostos de aeroporto.

O presidente desmanchou-se em mesuras, elogiou a ministra e lamentou que ela tivesse pedido demissão do cargo, depois que eclodiu o escândalo. Para Lula, o que houve foi apenas irregularidades administrativas. Perdoou-a, lamentou e quis fazer crer que todos deveriam perdoar a ex-ministra, que nada teria feito de incorreto.

Pois é a CGU – Controladoria Geral da União – que vem agora contrariar o presidente, ao apontar como irregulares e passíveis de cobranças as despesas feitas por Matilde Ribeiro, usando mal os cartões de crédito corporativo. Agindo de forma independente, a CGU cobra devoluções de importâncias mal-gastas, colocando-se em posição contrária à do presidente da República.

Em países verdadeiramente democráticos há uma ética na política e na administração pública que coloca o interesse geral acima dos particulares. E acima inclusive dos corporativos, partidários e da vontade dos governantes. Há nações onde a cultura da honestidade chega a levar autoridades que se desviam da melhor conduta não só à renúncia, mas até ao suicídio. É o caso do Japão. De qualquer forma, esses desvios são sempre objeto de processos políticos e judiciais, com condenações, porque o mal causado não foi a uma ou duas pessoas, mas a todo um povo.

Mas brasileiro é bonzinho, em especial quando se trata de cuidar dos interesses do povo, de seus parcos recursos, do dinheiro que adentrando os cofres públicos parece que a ninguém pertence e pode, sem culpa, ser gasto onde bem queiram as autoridades.

Essa bondade leva a perdões injustificáveis e joga para baixo do tapete muita sujeira, além de laborar para que não se forme uma cultura de honestidade e honradez no trato com a coisa pública e com o dinheiro do povo.

As conclusões da Controladoria Geral da União são um libelo contra o governo, indicando-lhe o caminho correto. Em se tratando da coisa pública, não deve haver perdão. Não se justifica passar a mão na cabeça de quem, no elevado cargo de ministro, usou em proveito próprio dinheiro do povo, gastando-o como bem entendeu, desobedecendo as normas legais e principalmente os princípios éticos que devem presidir o exercício da função pública.

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