Apesar da situação e dos direitos indígenas terem sido discutidos na Conferência sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, a Rio 92, bem como objeto de estudos e recomendações na II Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena, 1993, que incluiu estes grupos entre os vulneráveis, e o disposto na Resolução 3056 da União Mundial para a Natureza (Bangkok, 2004) que trata dos Povos Indígenas que vivem em Isolamento Voluntário na Região Amazônica e no Chaco, na Agenda 21 e na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho-OIT e o fato de muitas Ongs estarem trabalhando para sua preservação, muito há que ser feito efetivamente para protegê-los.
Nos últimos anos a questão indígena tem tomado vulto no Brasil e países amazônicos, em vista da crescente importância da Floresta Amazônia como um dos últimos redutos naturais da Terra, que é lastimável, pois a situação e o destino de milhares de silvícolas só passaram a ter maior atenção da mídia e da sociedade a partir do desenvolvimento dos interesses econômicos.
Com referência a proteção jurídica internacional das populações indígenas, encontramos as citadas Conferências mundiais, notadamente a Convenção 169 da OIT, que traz artigos específicos sobre os povos isolados, e que foi adotada por muitos países, inclusive o Brasil. Em termos da legislação brasileira, temos na Constituição Federal um capítulo destinado aos indígenas onde reconhece sua organização social e cultural, as suas diferenças culturais, assegurando-lhes o direito de manter sua cultura, identidade e coloca como dever do Estado a sua proteção (art. 231), e lhes dá legitimidade processual para defender seus direitos (art. 232). O art. 22, XIV diz que compete privativamente à União legislar sobre populações indígenas, e o art. 49, XVI disciplina em terras indígenas a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais. O art. 129, V diz que é função institucional do Ministério Público, entre outras, defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas, o art.210, § 2.º fala do direito ao ensino fundamental nas línguas maternas das comunidades indígenas e o art. 67, das disposições transitórias, estipula a demarcação de terras indígenas em cinco anos.
Em relação a dispositivos infra-constitucionais o Estatuto do Índio (Lei 6.001/73), que está em revisão no Congresso Nacional, é o diploma jurídico mais importante sobre as populações indígenas no Brasil. Segundo seu artigo 3.º índio ou silvícola ?é todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana, que se identifica e é identificada como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional?. Nos termos do art. 4.º os índios são considerados como: I. Isolados-quando vivem em grupos desconhecidos ou de que se possuem poucos e vagos informes através de contatos eventuais com elementos da comunidade nacional; II. Em vias de integração- quando em contato intermitente ou permanente com grupos estranhos, conservam menor ou maior parte das condições de sua vida nativa, mas aceitam algumas práticas e modos de existências comuns aos demais setores da comunidade nacional, da qual vão necessitando cada vez mais para o próprio sustento; III. Integrados – quando incorporados à comunidade nacional e reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis ainda conservem usos, costumes e tradições características de sua cultura. Os indígenas são tutelados pelo Poder Público em todas as suas esferas (art. 7.º, Lei 6001/73) que deve protegê-lo, bem como as comunidades indígenas preservando seus direitos (art. 2.º), sendo a Funai o órgão tutelar.
Quanto às comunidades indígenas isoladas a questão é mais grave ainda, pois na região Amazônica e do Chaco existem talvez as últimas comunidades indígenas que vivem isoladas. São diversos grupos e/ou subgrupos indígenas que representam vários povos distintos, e que, por sua condição ímpar, constituem-se em um dos maiores patrimônios culturais da humanidade. Por esta razão os índios isolados, sua cultura e suas comunidades são formadores do patrimônio nacional, o qual é protegido constitucionalmente (art. 216 CF), o que os coloca no rol dos bens difusos a serem protegidos pela ação civil pública (Lei 7.347/85). Por este motivo sua proteção deve ter a atenção internacional de entidades de caráter humanitário. Portanto, considerando-se os aspectos culturais e étnicos dos índios isolados e a legislação citada, podemos concluir que eles possuem um verdadeiro direito ao isolamento, que deve ser observado e garantido pelo Estado. Não se lhes podendo negar o direito de viverem como comunidades independentes dentro de seus territórios, dos quais têm a posse há milhares de anos, posse essa também garantida por lei.
Discutindo estas questões, realizou-se em Belém-Pará-BR, de 08 a 11/11/05, o I Encontro Internacional sobre Povos Indígenas Isolados da Amazônia e Gran Chaco, organizado pela CGII – Coordenação Geral de Índios Isolados – Funai, e pelo Centro de Trabalho Indigenista (CTI). Neste importantíssimo encontro, no qual tivemos a honra de participar, estavam representantes dos povos isolados que vivem em países amazônicos e do Gran Chaco (Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Paraguai e Peru) e representantes de cerca de quarenta instituições e diversos países, resultando na criação de uma Aliança Internacional para a Proteção de Povos Indígenas Isolados, bem como de um documento final, a Carta de Belém, exigindo que os Estados, onde vivem esses índios, tomem medidas protetivas de sua cultura e segurança e respeitem o direito ao não-contato daqueles que desejam ficar isolados. Em vista das conclusões e recomendações este encontro será, sem dúvida, um marco histórico sobre o tema.
Assim, podemos concluir que há em termos internacionais dispositivos a serem adotados por todos os países envolvidos na questão, e no Brasil, em específico, há legislação suficientemente eficaz para proteger os indígenas e suas comunidades, inclusive os isolados, mas há necessidade de sua aplicação, o que só se conseguirá em havendo conscientização das autoridades em todos os níveis e poderes, pressão popular, vontade política, orientação, fiscalização efetiva da aplicação da legislação e conscientização da população não-índia sobre a temática.
Antonio Silveira Ribeiro dos Santos é magistrado aposentado. Criador do Programa Ambiental: A Última Arca de Noé (www.aultimaarcadenoe.com )