Sabe-se que a Secretaria da Receita Federal tem, nos últimos três anos, criado formas para obter e cruzar informações, alguns exemplos que podem ser citados é a declaração de Rendimentos Pagos a Consultores por Organismos Internacionais, declaração de Bens Detidos no Exterior e o cruzamento de dados com a CPMF. Independentemente dos objetivos da Receita, não se pode admitir ilegalidades ou inconstitucionalidades no exercício de sua função.
Neste contexto, surgiu em 21 de fevereiro de 2003 a Instrução Normativa n.º 304, a qual criou a Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias. Em virtude desta, as construtoras ou incorporadoras, que por conta própria, comercializam unidades imobiliárias, e, também, as imobiliárias e administradoras que realizam intermediação de compra e venda ou de aluguel de imóveis, estão obrigadas aos seguintes procedimentos: a)as construtoras ou incorporadoras deverão identificar o adquirente e a unidade imobiliária comercializada, a data e valor da operação, bem como o valor recebido no ano (total das operações); b)as imobiliárias e administradoras deverão identificar as partes contratantes, o imóvel que tenha sido objeto de venda ou de locação e o valor da operação, incluindo valores pagos a título de comissão.
A exigência da declaração em si não gera problema ou polêmica, os agravantes ficam por conta de exigir as referidas informações de um período anterior ao de sua vigência, ou seja, de 2002; do valor da multa, em caso de não entrega ou de entrega com erro ou omissão, ser exagerado; e, de caracterizar o descumprimento como crime contra a ordem tributária.
O artigo 2.º determina que a declaração deve ser entregue pelo estabelecimento matriz, contendo informações de todas as suas filiais. A data de entrega é a do último dia útil do mês de março com relação ao exercício do ano anterior. Ou seja, a do ano de 2003 será no último dia útil do mês de março de 2004. Mas o parágrafo único deste artigo estende a exigência para o exercício de 2002, apontando como data limite de apresentação o último dia útil do mês de maio (antes era abril, em decorrência de reclamações foi prorrogado) de 2003.
O prazo estabelecido para a entrega da declaração referente ao exercício de 2002 não ofereceu tempo suficiente para que algumas empresas se preparassem, principalmente as que possuem filiais em todo um Estado ou as que atuam nacionalmente. Além do que, afronta o princípio da irretroatividade, previsto nos artigos 101 a 103 do Código Tributário Nacional, vez que atinge situações anteriores à data de vigência da Instrução Normativa.
As penalidades encontram-se no artigo 3.º, onde o inciso I estabelece o valor de R$ 5.000,00, por mês-calendário, no caso de não entrega ou de entrega fora do prazo. Por sua vez, o inciso II estabelece 5% sobre o valor da operação que seja omissa ou que contenha erros.
Ora, a imposição de multa existe mais como forma de instruir o remetente da norma (mesmo que administrativa) a cumpri-la nos termos que dispõe, do que puni-lo. Mesmo que objetive, também, punir, não pode ter natureza confiscatória e nem afrontar o princípio da proporcionalidade, como ocorre no presente caso.
Por sua vez, o artigo 4.º estabelece que a omissão ou a prestação de informações falsas configura crime contra a ordem tributária, como disposto no artigo 2.º da Lei n.º 8.137, de 27 de dezembro de 1990. E, ainda, que ocorrendo a caracterização do crime poderá ser aplicado o regime especial de fiscalização previsto no artigo 33 da Lei n.º 9.430, de 27 de dezembro de 1996.
Primeiro deve ser esclarecido que a Constituição Federal em seu artigo 5.º, inciso II, estabelece que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de Lei. Então, não poderia uma Instrução Normativa declarar que determinada conduta (omissão de informação ou informação errada na Dimob) será tida como crime tributário. Em não tendo poderes para tanto, faz-se necessária Lei que o discipline (princípio da legalidade), tendo-se em vista, principalmente, a gravidade e a responsabilidade existente quando da indicação de uma conduta como sendo criminosa.
A Lei 8.137/90 (indicada pelo artigo 2.º da Instrução da Receita) define crimes contra a ordem tributária, econômica e relações de consumo. Observe-se, define crimes contra a ordem tributária, ou seja, trata da falta de pagamento de tributo, do pagamento a menor e dos meios utilizados para tais condutas. Por sua vez, o citado artigo 2.º enumera quais condutas podem ser tidas como crime tributário (é taxativa e não exemplificativa essa enumeração, portanto, não pode ser estendida a outros casos). Da leitura do mesmo, conclui-se que a omissão de informação ou informação errada na Dimob não se encontra no texto, além do que não diz respeito à falta de pagamento de tributo ou o seu pagamento a menor. Basta ler o que diz o inciso I da norma (o único que, hipoteticamente, poderia ser o pretendido pela Receita Federal): “Fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo”.
Direito de exigir mais uma declaração a Secretaria da Receita Federal tem, porém, encontra-se limitada no exercício de sua atividade pela Constituição Federal, e neste aspecto, no que diz respeito a Dimob, conseguiu infringir o princípio da irretroatividade, da proporcionalidade, do confisco, da legalidade e da segurança jurídica.
Patrícia Carvalho
é advogada em Curitiba, especialista em Direito Tributário.