Brasília ? A inadimplência de pessoas físicas e jurídicas bateu recordes históricos no primeiro trimestre do ano, com aumentos de 16,6% e 16,8% respectivamente, na comparação com o mesmo período do ano passado, de acordo com o Indicador Serasa.
E o volume de cheques devolvidos por falta de fundos também é o mais alto de todos os tempos, com média de 24,3 cheques devolvidos para cada lote de mil cheques compensados. Dos 447,9 milhões de cheques apresentados na rede bancária, 9,5 milhões voltaram.
São números preocupantes, de acordo com o professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB), Jorge Madeira, para quem os excessos de gastos de Natal e Ano Novo refletem sempre em janeiro e fevereiro. Época que também concentra despesas com Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), reajuste escolar e Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotor (IPVA).
A inadimplência tem sido historicamente maior nessa época do ano, segundo ele. Só que neste ano traz duas implicações a mais: o empréstimo consignado em folha de pagamento para pessoas físicas e a frustração de pessoas jurídicas que investiram acreditando na manutenção, em 2005, do ritmo de crescimento que a economia teve em 2004.
"Parecia que a economia iria decolar, mas essa expectativa lamentavelmente não se concretizou, e as empresas que investiram mais, hoje também estão com mais dificuldades", sentenciou. O professor da UnB disse que ainda não dispõe de dados estatísticos para comprovar, mas acredita que "o crescimento maior da inadimplência da pessoa física vem da facilidade do empréstimo consignado; muito bonito e agradável no início, mas com conseqüências fortes, que são sentidas agora".
Ele assegura, inclusive, que se não houver cuidado, "esses empréstimos vão levar muitas pessoas a situações de dificuldade". Advertência com a qual concorda também o especialista em mercado financeiro e de capitais Victor José Hohl, do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal.
Victor Hohl entende que o brasileiro não está educado financeiramente, e isso vem de uma época de inflação alta, quando a regra era gastar antes que a inflação comesse o dinheiro. Só que o Plano Real, em 1994, inverteu aquela realidade e muita gente não se deu conta disso.
Ele disse que a abundância de crédito para empréstimos pessoais, com juros altos, está levando muita gente ao endividamento. Principalmente depois do advento do crédito consignado, que cobra taxas mais baixas que os juros normais de mercado; mas, mesmo assim, "ainda muito altas", pois fecharam o mês de março acima de 37% ao ano.
O conselheiro do Corecon-DF lembra que ?não dá para complementar renda com empréstimo?, e quem assim pensa vai se encalacrar em dívidas mais à frente. Ele ressalta que muitos são facilmente convencidos pelo marketing bancário, que acena com dinheiro para resolver problemas de momento, e "nem olham para as taxas de juros e os prazos".
Ele diz que além de contribuir para aumentar os níveis de inadimplência, "muitos desses endividados vão ficar fora do mercado por bastante tempo, porque não terão crédito". Esse comportamento é justamente o contrário do que aconselham os economistas, quando falam para o cidadão poupar, fazer reserva e não contrair dívidas.
Isso é o que pensa também o coordenador do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) em Brasília, economista Antonio Xará. Ele revela que o índice de inadimplência no Distrito Federal contribuiu para o recorde de março com o cadastramento de 144.054 novos devedores, contra 136.415 pessoas que ?limparam? seus nomes no SPC.
Mesmo considerando-se que início de ano é época de aumento do endividamento da população, Antonio Xará diz que neste ano o aumento tem sido mais acentuado. A inadimplência divulgada pela Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) chegou a 5,6% no comércio local, contra índices que, mesmo altos, nunca haviam ultrapassado 5%.
Além dos gastos normais com impostos e educação, concentrados no primeiro trimestre do ano, o coordenador do SPC acha que nas festas de Natal e Ano Novo, em nome da solidariedade ?muita gente ficou com o coração mais aberto, fez extravagâncias e acabou gastando mais do que poderia?.Agora estão endividados, e muitos fora do mercado, sem poder consumir, o que ?é prejudicial para o giro da economia?, acrescentou.
Situação agravada também pela volta das férias, em muitos casos, e pelos gastos do Carnaval, que este ano aconteceu no final de fevereiro, e fez com que um número grande de vencimentos de dívidas nos últimos cinco dias de fevereiro fosse transferido para março. Mês em que realmente o calote foi maior, com crescimento de 35,1% em relação ao mês anterior.