I – Introdução.
Nesta exposição, pretende-se abordar alguns aspectos da defesa do executado, na execução de título judicial, com base nos mais recentes ensinamentos doutrinários sobre a matéria.
As alterações, introduzidas pela Lei 11.232/05, no Capítulo X, do Título VIII, do Livro I, do C.P.Civil, deram novo regramento à execução judicial, agora denominada “Cumprimento da Sentença”, criando um novo meio de defesa do executado a impugnação -, previsto nos artigos 475-J, § 1.º, 475-L e 475-M, daquele Estatuto Processual, que substituiu os embargos à execução, naquela modalidade de execução.
Não se pode ignorar que é possível ao executado opor-se ao cumprimento de sentença, por outro meio, isto é, através de simples requerimento, seja qual for a espécie de obrigação nela estampada (dar, fazer, não fazer ou entrega de coisa), porque não se pode excluir do executado, seja lá por qual for o meio, a possibilidade de apontar excessos ou quaisquer outras irregularidades verificadas, sejam de mérito ou processuais, quando da efetivação das medidas de alcance material(1), conforme será demonstrado ao longo deste trabalho.
II – Desenvolvimento
1. Natureza jurídica.
A impugnação oferecida pelo executado: tem caráter de defesa, de reação à tutela jurisdicional do direito, pretendida através da ação(2), ou, tem conteúdo de defesa, mas difere da contestação por razões teleológicas(3), pelo fato de que não impugnar não significa que se aplique ao executado o principal efeito da revelia (CPC, art. 319), que só encontra aplicação no processo de conhecimento(4), ou, ainda, se constitui, sob o aspecto procedimental, simples incidente (fase) interno ao processo em que já se desenvolve o cumprimento da sentença”(5)
2. Conteúdo.
O conteúdo da impugnação não difere daquilo que prevê o art. 741 do CPC, ou seja, salvo falta de pressuposto de existência na fase cognitiva (por exemplo: falta ou nulidade da citação) e inconstitucionalidade do fundamento do comando supervenientemente declarada pelo STF, estará o executado impedido de abordar matérias que foram ou deveriam ter sido objeto de debate na fase em que se obteve a sentença(6).
Portanto, a defesa do executado somente poderá versar sobre: a) falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia; b) inexigibilidade do título; c) penhora incorreta ou avaliação errônea; d) ilegitimidade das partes; e) excesso de execução; f) qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação (pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição), desde que superveniente à sentença (art. 475-L).
3. Prazo de apresentação.
O prazo, para apresentação da impugnação, previsto no § 1.º do artigo 475-J, é de quinze dias. Porém, isto não significa que o executado, a partir daí, não possa mais deduzir qualquer defesa; poderá ele apresentar defesa fora de tal prazo, desde que se trate de tema que o juiz possa conhecer de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 303 do CPC), o que indica que permanece vivo o interesse na chamada “exceção de pré-executividade, embora o seu campo seja hoje, em grande parte, dominado pela impugnação(7).
Acrescente-se, também, que qualquer defesa que pudesse ter sido oferecida na fase de conhecimento, tenha ou não sido deduzida, não poderá mais ser apresentada. Seu exame resta inviabilizado, porque a coisa julgada formada impede a sua apreciação.
Entretanto, as objeções processuais surgidas depois do trânsito em julgado, como por exemplo, impedimento do juiz que processa a execução, se distinto daquele que julgou a causa, embora não incluídas no art. 475-L, certamente devem ser admitidas.
Igualmente, tratando-se de execução de decisão provisória, todas as objeções processuais porque não sujeitas a preclusão (art. 301, § 4.º, do CPC) e as defesas de mérito que têm esta qualificação (arts. 303 e 462 do CPC), podem ser apresentadas até o trânsito em julgado da decisão que constitui o título executivo, porque sobre elas não há preclusão (art. 473 do CPC, a contrario sensu)(8)
4. Autuação.
Após a reforma introduzida no C.P.Civil, a execução de título judicial passou a correr nos próprios autos da ação, salvo se houver impugnação, com deferimento de efeito suspensivo (§ 1.º do art. 475-M/CPC), quando ela é processada em autos apartados, isto é, em apenso à ação originária.
5. Segurança do juízo.
O § 1.º, do artigo 475-J, do C.P.Civil, dispõe que, após efetuada a penhora e intimado o executado da penhora, o executado poderá “oferecer impugnação, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias”, dando a entender que, somente depois de seguro o juízo, é que o executado poderá defender-se.
Sobre a matéria há divergência, na doutrina: uma corrente entende que, para a apresentação da impugnação, (i) continua a depender da segurança do juízo, sob o argumento de que esta exigência também seria feita no caso de cumprimento de obrigação de entrega de coisa, mas que seria dispensada para o caso de obrigações de fazer e não fazer(9); (ii) outra corrente ensina que é desnecessária a prévia segurança do juízo, porque não há regra específica sobre a questão e o art. 475-J, § 1.º, poderia insinuar outra resposta, onde dispõe que a intimação para o executado impugnar se dá depois de realizada a penhora, ressaltando que, pelo sistema executivo adotado, verifica-se que, diante da regra da não suspensividade da impugnação (art. 475-M) e dos embargos à execução de título extrajudicial (art. 739-A), a prévia realização de penhora não é mais imprescindível para tornar o juízo seguro, enquanto não processados a impugnação e os embargos”(10). ou que a impugnação não depende de penhora, nem é necessário que o juízo esteja garantido para que se possa apresentar a impugnação, porque, conforme dispõe o § 1.º do art. 475-J do CPC, o prazo final para apresentação da impugnação é de quinze dias, a contar da intimação da penhora e o que a regra estabeleceu foi um limite temporal para o oferecimento da impugnação, isto é, deve ser apresenta até o final do prazo de quinze dias após a intimação da penhora(11)
6. Suspensão da execução.
É possível a suspensão da execução, porém esta será excepcional e dependerá do grau (aparente, evidente) de prejudicialidade da impugnação e de uma valoração comparativa entre a gravosidade a que estaria sujeito o executado em caso de prosseguimento da execução e o eventual prejuízo que o exeqüente suportaria com o atraso da continuidade do feito(12).
Em suma, três são os fundamentos que autorizam a suspensão da execução: i) a relevância dos fundamentos da impugnação; e que a execução seja; ii) manifestamente suscetível de causar grave dano de difícil ou incerta reparação(13).
Tal entendimento é confirmado pela lição do Ministro LUIZ FUX, no sentido de que: “a suspensividade da impugnação reclama relevância e periculum in mora, consistente em que o prosseguimento pode causar ao “executado grave dano, de difícil ou incerta reparação”(14).
O grave dano de difícil ou incerta reparação, um dos requisitos que propicia a suspensão da execução, caracteriza-se em duas hipóteses: (a) quando o exeqüente não apresenta idoneidade financeira evidente para suportar a indenização que lhe resultaria do acolhimento da impugnação fundada nos incisos II e VI do art. 475-L; ou (b) quando a alegação do executado envolve um direito fundamental, a exemplo do direito à moradia (art. 6.º da CF/88), alegada a condição de residência familiar do bem penhorado, caso em que não há reparação pecuniária que remedie a privação da moradia(15).
7. Casos implícitos de impugnação.
Embora não se encontrem elencados no artigo 475-L do C.P.Civil, cabe ao executado alegar, por via de impugnação, a nulidade da citação, naqueles casos (por exemplo, execução da sentença penal condenatória), em que ela se realiza na execução incidental, a teor do art. 475-N, parágrafo único, bem como a falta ou nulidade de citação e os vícios da sentença arbitral, a teor do art. 33, § 3.º, da Lei n.º 9.307/96, decorrentes de um dos motivos arrolados no art. 32 do mesmo diploma(16).
Ensina o mestre ARAKEN DE ASSIS, também, que, “Quanto às nulidades do anterior processo de conhecimento, somente a falta ou nulidade de citação se ostenta admissível, baseando-se a execução, neste caso, no art. 475-L, I. As demais nulidades ficam encobertas pela eficácia de coisa julgada, na execução definitiva, ou integram a matéria devolvida ao órgão ad quem no recurso pendente, tratando-se de execução provisória”(17).
8. Omissão da impugnação.
Não sendo oferecida a impugnação, o executado decairá do direito de impugnar a execução e, por seu intermédio, verificados os pressupostos do art. 475-M, travar-lhe a marcha até o julgamento das exceções e objeções apresentadas, ficando, assim, preclusa toda a matéria de defesa, perdendo, por conseqüência, o executado tão-só o direito de suspender a execução, de forma que lhe resta, pois, apenas alegar as exceções e objeções através de ação autônoma e de exceção de pré-executividade, remédios desprovidos do mesmo efeito suspensivo(18).
9. Preclusão: reavivar questões já superadas.
Na impugnação, a alegação de eventual novação somente será admitida se tiver ocorrido após a sentença ou o recurso, porque, se ocorrida no curso do processo, ainda que em grau de recurso, o réu poderia deduzi-la autorizado pelo benefício do art. 517 do CPC, ciente ou não de sua ocorrência e não o fez, resta inadmissível invocar esse fundamento na impugnação, porque estará coberta pela preclusão.
O desacolhimento daquela alegação visa impedir a retroação da marcha do “cumprimento da sentença” com o reavivar de questões já superadas no processo(19).
10. Recursos.
Os recursos adequados para combater as decisões proferidas na impugnação são: (i) agravo de instrumento, contra decisão interlocutória que julgar improcedente a impugnação, ou se, por exemplo, excluir um dos executados do processo, ou ainda quando reconhecer a existência de causa impeditiva da execução, e (ii) apelação, nos demais casos em que a solução da impugnação importar extinção da execução, o ato judicial será caracterizado como sentença(20).
III Conclusão.
As modificações introduzidas pela Lei 11.232/05 no ordenamento processual civil, alterando substancialmente o procedimento da execução de título judicial e extrajudicial, visaram, como tudo indica, atender ao princípio constitucional que assegura a todos os cidadãos “a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (inciso LXXVIII, do art. 5.º, da CF), em vista de que o sistema anterior favorecia ao devedor, retardando e dificultando a pronta satisfação do crédito executado. Se as novas modificações da legislação alcançarão sucesso, somente o tempo dirá.
Para tanto, é necessário, principalmente que o Poder Público invista mais na Justiça: melhores condições de trabalho (construção e ampliação de fóruns, equipados com moderna rede de informática); aumento do número de juízes e de funcionários; atualização, especialização e aperfeiçoamento constante dos magistrados, sem o que a Justiça continuará sendo a mesma de sempre: morosa, desacreditada e desprestigiada pela população brasileira.
Notas:
(1) MARTINS, Sandro Gilbert, Apontamentos sobre a defesa do executado no “Cumprimento da Sentença”. Revista de Processo n.º 116, p. 174.
(2) MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil V.3 Execução. São Paulo: Ed. RT, 2008, p. 294-295.
(3) MARTINS, Sandro Gilbert.Op. cit., p. 176.
(4) MARTINS, Sandro Gilbert, Op. cit., p. 177.
(5) MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit., p. 406.
(6) MARTINS, Sandro Gilbert, Op. cit., p. 172.
(7) MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit., p. 292.
(8) Idem, p. 298.
(9) MARTINS, Sandro Gilbert, Op. cit., p.174-175.
(10) MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit., p.296.
(11) CARNEIRO DA CUNHA, Leonardo José,. As Defesas do Executado. RT citada, p. 647.
(12) MARTINS, Sandro Gilbert, Op. cit., p. 178.
(13) MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit., p.305.
(14) FUX, Luiz. Impugnação ao Cumprimento da Sentença. In. FIDÉLIS DOS SANTOS, Ernane et al. (Coords.) Execução Civil Estudos em homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior. São Paulo: Ed. RT, 2007, p. 210.
(15) ASSIS, Araken de. Cumprimento da Sentença. São Paulo: Ed. Forense, 2006, p. 350-351.
(16) Idem, p. 332.
(17) Idem, p. 332.
(18) ASSIS, Araken de. Op. cit., p. 334.
(19) FUX, LUIZ. Ob. cit., p. 206.
(20) MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit., p. 312.
Accácio Cambi é desembargador aposentado do TJ-PR.