Em 16 de dezembro de 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) editou a Súmula Vinculante n.º 25 que traduz: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”.
A partir de então, somente é aplicável no Brasil a prisão civil por dívida ao responsável pelo inadimplemento de obrigação alimentícia. A Constituição Federal de 1988 previu duas formas de prisão civil: a do devedor de alimentos e a do depositário infiel (artigo 5.º, inciso LXVII).
O depositário infiel é aquele que recebe a incumbência judicial ou contratual de zelar por um bem, mas não cumpre sua obrigação e deixa de entregá-lo em juízo, de devolvê-lo ao proprietário quando requisitado, ou não apresenta o seu equivalente em dinheiro na impossibilidade de cumprir as referidas determinações.
Tal súmula encerra por definitivo as questões e decisões em contrário, vinculando tanto a administração pública e judiciária. Há muito tempo já se discutia sobre a possibilidade ou não da prisão de um cidadão por ser considerado um depositário infiel.
Após a edição da emenda constitucional n.º 45, a prisão civil do depositário infiel mostra-se inconstitucional, ocorrendo um choque de normas constitucionais. Assim, ao introduzir no seu artigo 5.º o parágrafo terceiro, a emenda deu status de emendas à constituição também aos tratados internacionais de direitos humanos em que o Brasil for signatário.
Isso ocorre devido à crescente preocupação com a dignidade da pessoa humana, e na garantia efetiva de seus direitos, direitos indivisíveis e universais. O entendimento dominante que prevalece é que o direito à liberdade é um dos direitos humanos fundamentais, priorizados pela Constituição Federal, e que sua privação somente pode ocorrer em casos excepcionais. Não se enquadra neste entendimento a prisão civil por dívida, notadamente obrigação alimentícia.
“A Constituição Federal não deve ter receio quanto aos direitos fundamentais”, disse o ministro Cezar Peluso, ao lembrar que os direitos humanos são direitos fundamentais com primazia na Constituição.
“O corpo humano, em qualquer hipótese (de dívida) é o mesmo. O valor e a tutela jurídica que ele merece são os mesmos. A modalidade do depósito é irrelevante. A estratégia jurídica para cobrar dívida sobre o corpo humano é um retrocesso ao tempo em que o corpo humano era o “corpus vilis’ (corpo vil), sujeito a qualquer coisa”.
No julgamento realizado pelo STF, foi decidido que a lei ordinária não pode sobrepor-se ao disposto em um tratado sobre direitos humanos ao qual o Brasil aderiu.
De acordo com Álvaro Villaça de Azevedo:
[…] por ser essa a natureza da prisão civil por dívida, de meio coativo, direto ou ativo, não à punição, mas para favorecer o cumprimento obrigacional, termina por violar direito da personalidade, pois, em sentido prático, ela constrange a pessoa, com a perda da liberdade, para proporcionar a realização de um interesse econômico.
Assim, o entendimento do enunciado da Súmula Vinculante 25 provém do fundamento básico do Estado Democrático de Direito, qual seja, de respeito à dignidade da pessoa humana, como instrumento realizador do ideal de uma sociedade humanitária, justa e solidária.
Osvaldo Marchini Filho é advogado.