A notícia da renúncia de Fidel ao governo de Cuba leva a mil ilações, muitas esperanças e incontáveis pontos de interrogação. Estaria a opinião pública e os meios políticos vendo chifres em cabeça de cavalo? Afinal de contas, a ilha caribenha, que resistiu por meio século a uma ditadura comunista e manteve no poder Fidel Castro, ?último mito vivo? no dizer do nosso presidente Lula, não tem mais população que a cidade de São Paulo, tem um insignificante Produto Interno Bruto, que é a metade do paulistano e, militarmente, nenhuma ameaça representa contra o seu inimigo figadal, os Estados Unidos.
Parece que seria fácil ignorá-la e nem perder tempo com conjecturas sobre o que será da ilha sem Fidel, com Raúl Castro, seu irmão e sucessor e sobre se sofrerá uma abertura democrática que estabeleça um fluxo regular de capitais e ?barqueiros? entre Cuba e a ameaçadora ponta capitalista de Miami.
Nos tempos da guerra fria, Cuba e o regime de Fidel Castro eram temidos porque exportadores da revolução comunista, com aberto apoio da falecida União Soviética. Com a implosão desta, tal perigo praticamente desapareceu e a refrega entre Cuba e os Estados Unidos transformou-se numa picuinha, em que um boicote político e econômico era apontado como algoz da ilha.
Esse quadro, posto em banho-maria por tantos anos, hoje torna a existir.
Há de se preocupar o mundo dito democrático e orgulhoso das virtudes do capitalismo com o fato de que renasce na América Latina um quadro político em que se evidenciam nomes como Hugo Chávez, na Venezuela, e Evo Morales, na Bolívia.
Esse novo quadro político latino-americano, formado principalmente no Mercosul, é o terreno onde pode vingar o ressurgimento do risco da exportação da revolução cubana. Revolução que, sem ele, poderia confinar-se a ínfimas preocupações que se perderiam em discursos ou se esvairiam em conjecturas e esperanças.
O regime de Fidel, fechado e ditatorial, aberto e pragmático com Raúl Castro, adotando medidas capitalistas na economia e marxistas na política, hoje só mantém importância porque temos novos revolucionários entre nós. Gente que, tendo Chávez à frente, sonha com um bloco de países de esquerda em franco enfrentamento com os Estados Unidos e com todos aqueles que não se dobrarem a movimentos tais como a chamada revolução bolivariana ou que apelidos lhes tentem dar figuras ímpares, como o cocaleiro Evo Morales. Este armado, não podemos nos esquecer, de jazidas e produção de gás natural do qual não podemos, os brasileiros, abrir mão.
Assim, a irrelevante Cuba e o que na ilha vem acontecendo não podem passar sem um exame acurado e sem preocupações que vão além daquela humanitária sobre o destino de seus onze milhões de habitante e milhares de refugiados.
Não é apenas a liberdade dos cubanos que está em jogo. Nem o exame de uma bola de cristal que pode estar revelando uma reviravolta em benefício dos cubanos ilhéus e do continente. Está na parada a jogada dos novos esquerdistas sul-americanos e seus intentos de estabelecerem, aqui no seio do Mercosul, um novo campo de lutas, que está longe de ser irrelevante. O que hoje acontece em Cuba e os rumos que sejam dados ao seu regime sem Fidel é combustível para a tentativa de a esquerda dominar a América do Sul, evento que não é do interesse do Brasil.
