Imagem e realidade

Os governos servem de picadeiro para aparatosas e midiáticas exibições de suas ?celebridades? que, não raras vezes, esbanjam cotoveladas na disputa pelo ponto mais intensamente focado pelos holofotes. A realidade insofismável foi ventilada pela primeira vez pelo pensador francês Roger-Gérard Schwartzenberg, no livro O estado espetáculo, que apesar de suas três décadas de circulação tem-se tornado cada dia mais atual.

Diz ele que tais celebridades são convocadas pelos governantes para o desempenho de missões específicas, encenadas com tamanho apuro que a ilusão muitas vezes suplanta a realidade: ?Sobretudo na vida pública, transformada em mostruário de imagens. A imagem substitui ali o original e obscurece os fatos reais?.

Desde o fatídico acidente com o Airbus A320 da TAM, há pouco mais de vinte dias, o governo federal se esfalfou para encontrar pelo menos uma ?celebridade? que pudesse ser alçada ao proscênio, a fim de chamar as atenções gerais e afastar do palco as melancólicas figuras que atraiam – além dos maus fluidos – dúvidas hoje plenamente justificadas de leniente incompetência.

Tudo leva a crer que o governo encontrou esse personagem especial em Nelson Jobim, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), indicado para o Ministério da Defesa em lugar do ex-governador Waldir Pires, na verdade, hoje bem mais traquejado para interpretar o papel de um monge tibetano que um comandante de guerra, como o script governamental dele exigia.

Numa sucessão vertiginosa de intervenções, ditos e contraditos, idas e vindas, Jobim posou para fotos portando um capacete do heróico Corpo de Bombeiros Militares de São Paulo, contemplando de cima de um guindaste a estrutura calcinada do prédio da TAM Express, implodido nesse domingo. Visitou o IML para testemunhar o esforço minucioso e estafante dos legistas debruçados sobre restos mortais de tantas pessoas, a rigor, sem ter por onde começar o trabalho de identificação dos corpos.

E lá foi o intrépido ministro terminar a semana envergando um fardamento do Exército, para vivenciar em plenitude a rotina dos integrantes de um grupamento dedicado à realização de operações de salvamento na selva amazônica. Não sem antes estender o bilhete azul ao presidente da Infraero. A imagem se confunde com a realidade.

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