Em 1996 o governo federal encaminhou ao Congresso Nacional projeto de lei que, na Câmara dos Deputados, recebeu o número 2.660/1996. A proposição regulamenta o tempo na direção de veículo para o motorista de ônibus e caminhão que trafegue em rodovias. Após seis anos de tramitação, o projeto de lei, por substitutivo do Senado, está para ser remetido à votação final no plenário da Câmara dos Deputados.
Proposta original: pretende o Executivo aprovar lei ordinária trabalhista, esparsa, fora do âmbito da CLT, vedando ao motorista de caminhão e ônibus dirigir mais de quatro horas ininterruptamente em rodovias, devendo descansar pelo menos uma hora de forma contínua, ou descontínua, ao longo das quatro horas dirigidas. No período de vinte e quatro horas de trabalho seria obrigado ao intervalo de descanso de, pelo menos, doze horas. Ao mesmo tempo, obriga os caminhões e ônibus de transporte rodoviário serem equipados com tacógrafo ou equipamento equivalente, a partir da fábrica ou adaptados no prazo de 120 dias, ficando sob controle dos organismos executivos do sistema nacional de trânsito. No caso de inobservância da lei, a punição vai da interceptação temporária do veículo até a apreensão do mesmo, cumulado com multa.
Substitutivo aprovado: no Senado, o substitutivo aprovado mudou radicalmente o projeto de lei original, a saber (1) acrescentou três dispositivos à Lei nº 9.503,de 23/09/1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro, retirando o caráter de lei do trabalho, (2) acrescentou o art.28-A à Lei n.º 9.503/97 vedando ao motorista de caminhão ou ônibus trafegando em rodovia dirigir ininterruptamente por mais de quatro horas, com descanso de 30 minutos, de modo contínuo ou descontínuo, podendo essa jornada de quatro ser prorrogada por mais uma hora para chegar a lugar da parada adequada, sendo previsto um intervalo de dez horas entre uma jornada diária e outra, (3) acrescentou o art. 230-A impondo ao motorista que transgredir a norma anterior a infração gravíssima, multa e retenção temporária do veículo por período igual ao da parada não observada, (4) introduzindo um item (X) ao art. 21 da Lei n.º 9.503/97, para atribuir à autoridade rodoviária a aplicação de penalidade e arrecadação da multa.
Modificações essenciais: do projeto original ao substitutivo do Senado, observam-se modificações essenciais, pois de lei esparsa do trabalho introduziram-se artigos no Código de Trânsito, eliminou-se a obrigatoriedade do tacógrafo ou equipamento similar, a punibilidade se dirige ao motorista e há apenas paralisação temporária do veículo e não sua apreensão. No que se refere ao horário de trabalho, manteve-se o período de quatro horas, mas possibilitou prorrogação de mais uma hora e o descanso foi reduzido de uma para meia hora, sendo o intervalo entre jornadas reduzido de 12 para 10 horas.
Ilegalidades na proposta: há antijuridicidade, ilegalidade e inconstitucionalidade na proposta legislativa substitutiva aprovada pelo Senado, eis que é vedado legislar sobre jornada de trabalho no âmbito do Código de Trânsito por se tratar de matéria constitucionalmente privativa do campo do Direito do Trabalho. Por segundo, a eliminação do sistema de controle de jornada instalado no veículo impossibilita a verificação dos períodos de jornada. Por terceiro, os intervalos reduzidos ferem a legislação do trabalho (uma hora mínima intrajornada e 11 horas entrejornadas). E, por final, a infração se dirige apenas contra o motorista, isentando o empregador, embora a este cabe fixe as jornadas de trabalho de seus empregados motoristas.
Votação final: pronto o projeto de lei para votação final na Câmara dos Deputados, eis que o substitutivo do Senado já foi aprovado pelas Comissões de Viação e Transporte, Trabalho e Constituição e Justiça. Caso não haja alerta aos novos deputados federais quanto a ilegalidade da proposição e dos prejuízos aos motoristas, o substitutivo poderá ser acatado pelo plenário. Entendemos que o posicionamento correto deverá ser a rejeição do projeto de lei e de seu substitutivo.
Encaminhamento sugerido: A matéria relativa a regulamentação do trabalho dos motoristas é mais abrangente do que uma simples inserção no Código de Trânsito. O trabalho de motoristas de ônibus de transporte de passageiros difere fundamentalmente do trabalho do motorista de caminhão. Assim como há diferenças substanciais quanto ao sistema de trabalho dos motoristas autônomos, proprietários ou não dos veículos que dirijam, quer sejam ônibus ou caminhão. Face a extrema diferenciação, as condições de trabalho não podem ser estabelecidas sem um amplo debate com os principais interessados, que são os trabalhadores. Por evidente, que entidades sindicais de empregados e empregadores, as empresas e especialistas na matéria devem ser ouvidos. O melhor caminho será a rejeição da proposta e a abertura do debate amplo sobre a questão das condições de trabalho dos motoristas, categoria profissional essencial para nosso país.
Edésio Passos é advogado, assessor jurídico da Federação e Sindicatos de Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Paraná, ex-deputado federal (PT-PR). E.mail:
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