II Congresso Internacional de Prevenção Criminal, Segurança Pública e Administração da Justiça Uma Visão do Presente e do Futuro à Luz dos Direitos Humanos

Os participantes do II Congresso Internacional de Prevenção Criminal, Segurança Pública e Administração da Justiça: Uma Visão do Presente e do Futuro à Luz dos Direitos Humanos, promovido pelo Instituto Brasileiro de Direitos Humanos (IBDH), em Fortaleza, no período de 24 a 27 de março de 2003;

Considerando a extraordinária relevância dos inúmeros temas que, sob um enfoque multidisciplinar, foram objeto de debate, no curso de dez conferências e 18 painéis realizados, com a presença de representantes do Brasil, Uruguai, Argentina, México, Portugal e Itália;

Considerando o desafio imposto pela violência e pela insegurança, cada vez mais intensas e assustadoras, simbolizadas, no plano internacional, pelas cenas de horror a que assistimos diariamente através da cobertura televisiva da guerra no Iraque (com profundas repercussões sobre as relações internacionais, a Carta das Nações Unidas e o Conselho de Segurança da ONU) e, no plano nacional, pelo assassinato recente dos juízes de execução criminal Antônio José Machado Dias e Alexandre Martins, que ganharam notoriedade por sua determinação de enfrentar, com destemor, o crime organizado em seus estados;

Considerando que a segurança pública, em qualquer parte do mundo, não pode ser encarada apenas sob o viés repressor ou, melhor dito, não se restringe a uma questão de polícia, entendendo-se à unanimidade que vem a ser imperiosa a adoção de políticas públicas de inclusão social que atentem para a promoção dos direitos humanos dos cidadãos;

Considerando a expectativa de que o governo e a sociedade, ante o recrudescimento da insegurança, devam aglutinar esforços com vistas à prevenção e repressão do crime e o aperfeiçoamento das instituições encarregadas da administração da justiça criminal;

RECOMENDAM

1. Reflexão sobre a prática do terrorismo que, nos últimos anos, tornou-se critério renovador para a revisão dos conceitos de democracia, obrigando os estados a se questionarem em relação às suas próprias garantias constitucionais em nome do combate ao terrorismo;

2. Ações governamentais, sociais e comunitárias que fomentem o desenvolvimento social integrado e assegurem à população viver com o mínimo de dignidade e segurança;

3. Universalização do acesso às políticas sociais básicas e, em especial, aos subsídios dos governos para as políticas de proteção às crianças e aos adolescentes em risco social;

4. Definição de políticas de segurança pública que sejam eficazes na prevenção e na contenção do crime, coibindo-se a prática de arbitrariedades que tenham como pretexto a preservação da segurança e da ordem pública;

5. Intercâmbio entre organizações de segurança pública e a integração dos sistemas de informação;

6. Incentivo à reflexão sobre o poder da mídia de formar e deformar a opinião pública, quando interesses privados (de grupos ou pessoas) se opõem ao interesse público, ressaltando-se que ditos meios devem produzir e incentivar programas, entrevistas e debates de caráter educativo, visando a prevenir a violência e a criminalidade;

7. Oposição aos movimentos de lei e de ordem que insistem em advogar, como forma de enfrentamento da criminalidade, na lição judiciosa do Prof. Luiz Flávio Gomes, “o irracional (pena de morte), o inconstitucional (prisão perpétua), o absurdo (o agravamento das penas, mais rigor na execução) e o aberrante (diminuição da maioridade penal)”;

8. Atuação coordenada entre as diversas instituições encarregadas da persecução criminal e o estabelecimento de um sistema permanente de inteligência;

9. Reconhecimento de que é inadmissível o hiato entre a qualificação e a sofisticação predominantes no universo dos delinqüentes e a insuficiência, o despreparo e a obsolescência dos equipamentos dos órgãos de segurança;

10. Repúdio aos cortes nos orçamentos dos governos estaduais e federal, na área social e de segurança pública, assegurando que a dotação de recursos desses setores seja vinculada ao próprio orçamento;

11. Reforma urgente da legislação penal, processual penal e de execução penal, dando-se continuidade aos estudos realizados nesse sentido, nos últimos anos, por diferentes comissões no âmbito do Ministério da Justiça;

12. Implementação de uma política penal voltada para o princípio da proporcionalidade da aplicação da pena face ao valor do bem juridicamente tutelado;

13. Instituição do Ministério da Segurança Pública, da Escola Superior de Segurança e do Centro de Estudos de Alto Nível em Segurança;

14. Delegação aos estados da tarefa de fiscalizar as empresas especializadas de segurança privada, em razão das afinidades entre suas atividades quanto à proteção de bens e pessoas;

15. Instalação de ouvidorias de polícia em todos os estados para a garantia do pleno exercício da cidadania, a cobrança do respeito aos direitos humanos e o fortalecimento do estado democrático de direito;

16. Maior proteção à família dos agentes do sistema de segurança pública e justiça (policiais, agentes penitenciários, promotores de justiça e membros do Poder Judiciário) que falecem no estrito cumprimento do dever legal;

17. Ampliação de recursos humanos e materiais das guardas municipais para a prevenção de delitos, especialmente aqueles cometidos contra turistas, posto que uma das atribuições das referidas guardas é exatamente a proteção do turista (nacional ou estrangeiro), dos bens e da ordem pública;

18. Padronização dos registros do sistema de justiça criminal, em prol da integração de informações e interoperabilidade dos respectivos órgãos;

19. Aprovação do PL que trata da organização das polícias civil e militar;

20. Valorização do papel da defensoria pública – cuja criação e implantação se impõem em todas as unidades federativas – como garantidora dos direitos individuais da grande massa de acusados ou condenados desprovidos de condições financeiras de custear sua defesa;

21. Efetivação de reformas que promovam mudanças profundas na polícia, através de investimentos mais elevados no policiamento preventivo e comunitário, bem como da reestruturação e da integração das polícias civil e militar;

22. Fortalecimento da atuação da Central Nacional de Apoio e Acompanhamento das Penas e Medidas Alternativas (Cenapa), a fim de dar seqüência a uma das mais exitosas experiências no âmbito da execução penal;

23. Federalização de prisões estaduais ou edificação de prisões federais de máxima segurança, em observância ao disposto no parágrafo 1.º do art. 86 da Lei de Execução Penal;

24. Construção de novas prisões a fim de minimizar o problema da superlotação e da promiscuidade, dando aos reclusos assistência jurídica, à saúde, educacional, laboral, religiosa, de modo a humanizar a execução, tal como recomenda o art. 10 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos;

25. Adequação da política criminal do Estado aos termos da Resolução n.º 8, de 9 de dezembro de 2002, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que dispõe sobre a privatização/terceirização do sistema penitenciário;

26. Estímulo à implantação de programas de proteção às vítimas e testemunhas ameaçadas;

27. Elaboração de um projeto de lei no sentido de que a pessoa cuja renda ou patrimônio sejam manchados pela ilicitude deva ser representada exclusivamente por defensor público, tendo em vista a possibilidade de que os honorários percebidos pelo advogado privado se confundam com produto de crime (resulta inadmissível que os chefes do crime organizado possuam verdadeiros “departamentos jurídicos privados”, enquanto servidores do sistema de justiça criminal, policiais inclusive, são pesadamente onerados com despesas advocatícias advindas de questões relativas ao exercício técnico-profissional);

28. Formulação de uma lei federal especial alfandegária única, para os municípios brasileiros em área de fronteira internacional, visando à integração comercial e cooperação diplomática e jurisdicional em matéria de direitos humanos, na América Latina, como prevê a Constituição Federal.

Os participantes esperam que as autoridades constituídas não encarem as presentes recomendações como meras reflexões teóricas, porquanto fundadas na experiência daqueles que, no exercício de diferentes funções dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, nos diversos países aqui representados, compartilham a expectativa de um mundo melhor, menos inseguro, mais humano. No mesmo passo consignam que, dada a amplitude dos temas abordados, não lhes foi possível reunir nesta Carta todas as recomendações e sugestões que afloraram nos debates ocorridos nos dias 24 a 27 de março de 2003, durante o congresso, tendo-se dado ênfase, naturalmente, à realidade brasileira.

Na expressão do Dr. Sergio García Ramírez, vice-presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em sua exposição sobre “Crime e Prisão no Novo Milênio”, “dificilmente habrá novedades absolutas; pero pudieran surgir visiones más lúcidas sobre los progresos y los regresos en el largo camino de la seguridad y la justicia”.

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