Pela legislação em vigor, salário de deputado só pode ser reajustado pela legislatura anterior. Isso significa que o Congresso de agora é que tem a incumbência de fixar a remuneração do próximo, que tomará posse em fevereiro. Pois bem. Cumprindo a lei, o Congresso atual está fixando o salário do próximo, com um aumento de, no mínimo, 50%.
É pouco, dizem os deputados. Eles queriam bem mais ? R$ 17 mil. Isso, entretanto, daria 115% sobre os vencimentos atuais e o medo da reação popular acalmou um pouco os ânimos dos reivindicantes representantes do povo sofrido desse Brasil. Com 50% de reajuste, o salário de um deputado federal ficará no meio-termo: R$ 12 mil. O que, perto do que ganha a maioria do povo brasileiro, não é pouco.
Há que se considerar, entretanto, que o ano de um deputado não tem apenas 12 meses. Com as convocações extraordinárias, eles chegam a contar até 17 salários anuais. Percebem outras vantagens fixas, como a verba de gabinete, que atualmente estaria na casa dos R$ 35 mil. Depois vêm as famosas quotas de correio, de passagens aéreas, de gasolina e moradia. Aliás, para compensar o “salário baixo”, nossos representantes têm direito a auxílio-moradia: R$ 3 mil por mês. Por enquanto.
Não há a intenção de exigir dos parlamentares eleitos o voto de pobreza dos frades e freiras de uma vez. Mas seria razoável que eles tivessem a noção exata do que representa na cabeça (e bolso) do povo a divulgação dessas reivindicações salariais, “justas e legítimas”, segundo o dizer do primeiro secretário da Câmara, Severino Cavalcanti. Afinal, se deputado faz oito anos que está com salário congelado, pelo menos está garantido; pior aqui na planície, onde, além de congelado ou diminuído, cada vez mais gente nem salário tem. O debate, no mínimo, está colocado em hora errada.
O novo salário mínimo sequer foi ainda resolvido. Mas, apesar da inflação, pelo jeito não ficará maior que R$ 240. Isso significa dizer, no ano, 65 vezes menos que o salário de um deputado, sem considerar vantagens adicionais. Mas não é aí que reside o problema. Neste país onde o enunciado constitucional diz que todos são iguais perante a lei, por qual motivo um deputado julga-se no direito de reajustar seu vencimento em 50% enquanto dá apenas 20% aos que ganham salário mínimo? A igualdade constitucional, aqui, não passa de uma pinóia.
Mas tem muito mais gente torcendo para a consubstanciação dessa desigualdade gritante. O reajuste de 50% em Brasília vai beneficiar, depois, deputados estaduais e, também, vereadores, mediante a aplicação de outro princípio constitucional ? este, sim, religiosamente respeitado. Pela emenda constitucional número 1, deputados estaduais podem receber salários equivalentes a 75% dos vencimentos atribuídos aos congressistas. Vereadores, por sua vez, podem auferir o correspondente a 75% dos salários atribuídos a deputados estaduais. Nessa ciranda (onde entrarão, depois, funcionários e assessores) contam-se 1.059 deputados estaduais e exatos 60.265 vereadores. E depois virão outros pedidos, baseados no princípio da isonomia… que é negada ao cidadão comum, que com seus tributos é convocado a financiar a desigualdade.