Ideologia e trabalho

A prática muitas vezes altera a gramática. É indubitável que os grandes movimentos da sociedade são iniciados com o surgimento de idéias, programas e ideologias. Mas também é verdade que, enquanto idéias, programas e ideologias não estão infensos a falhas que a prática imponha.

Parece que é o que está acontecendo com o governo Lula, principalmente, mas não exclusivamente, no que se refere à reforma agrária. De certa feita, o militante de esquerda e trabalhador (hoje artista plástico) paranaense Expedito de Oliveira Rocha minutou um decreto simples, objetivo, sobre reforma agrária. Dizia: “Art. 1º – A terra pertence a quem a trabalha; Art. 2º -Revogam-se as disposições em contrário.”

Desde então, formaram-se, multiplicaram-se e se reforçaram os movimentos pela reforma agrária. Bem ou mal, os governos se aparelharam para realiza-la, mas ela está apenas iniciada, precária, assentando um mínimo de trabalhadores rurais e longe de resolver tanto o problema da produção, quanto o social.

Não se pode dizer que o governo Fernando Henrique Cardoso nada fez pela reforma agrária. Pode-se dizer, entretanto, que nada fez de expressivo, por falta de vontade política, dizem os que se agarram à ideologia; por falta de recursos, retruca o poder público.

A questão da propriedade e sua intocabilidade está resolvida. Hoje, todos concordam que ela deve ter fins sociais. E econômicos também, é óbvio. As desapropriações indenizam os que detém o domínio, o que afasta a idéia do expurgo. Mas as invasões, que tantas foram no governo passado, multiplicaram-se neste, de Lula, quando era de se esperar que, como uma administração de esquerda, formada por homens que em sua maioria sempre estiveram ligados aos movimentos dos sem-terras, tudo se fizesse de forma pacífica e ao redor da mesa de negociações.

Neste governo não laboram contra a reforma agrária as idéias, os programas ou as ideologias. Nem falta vontade política.

Então, porque ela não acontece e aumentam as invasões, agora com choques violentos e mortes? Porque existem impedimentos práticos, a começar, pela falta de recursos. Decidido a acelerar a implantação da reforma agrária, o presidente Lula autorizou o ministro Miguel Rosseto a discutir com bancos oficiais e estatais a hipótese de cederem terras de sua propriedade para assentamentos.

O Banco do Brasil chegou a fazer uma lista de fazendas que recebeu em pagamento de credores inadimplentes. Elas poderiam servir para a reforma agrária. Poderiam, dissemos, pois em se tratando de um banco estatal, porém de capital aberto, se abrir mão de propriedades suas, diminui o patrimônio dos seus acionistas, entre eles particulares que podem comprar suas ações até na Bolsa. O governo foi surpreendido com o fato de que, tão logo foi elaborada essa lista, começaram a ser invadidas as fazendas do Banco do Brasil.

O presidente do Incra deu início ao desaparelhamento ideológico do órgão. Mas seus escalões menores ainda estão sob o comando de lideranças dos sem-terra. Lula quer menos barulho e mais ação. Parece, finalmente, convencido de que a reforma agrária, antes de ser ideológica, é um objetivo prático, econômico e social que demanda obediência às leis e às ordens judiciais, respeito aos direitos dos proprietários e recursos. Para plantar, não adianta só ter terras. Não dá para revogar as disposições em contrário que exigem recursos para infra-estrutura, de forma a que a reforma se torne viável e eficiente.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo