Se a tragédia no berço da humanidade pelas mãos dos auto-intitulados senhores do universo pudesse ter um lado bom, este seria o fato de criar um motivo para pensarmos sobre nossa relação com o império ianque. Além de pensar e queimar bandeiras norte-americanas, um grupo ainda reduzido de brasileiros vem colocando em prática o boicote a produtos e marcas vindos de lá (*). O problema é que ao lado da Coca e do McDonald?s há uma lista quilométrica de produtos já incorporados ao dia-a-dia nacional.

Cortar toda relação com os “made in USA” seria praticamente abandonar a informática, deixar de ir ao cinema, reduzir o horário de TV drasticamente, ouvir pouquíssimo rádio, tirar da rota noturna inúmeros “points”, parar de conversar com skatistas, rappers e afins, fugir dos encontros empresariais que começam com o “breakfast” e terminam com os “cases”. Ficar sem vários remédios, muitos feitos com plantas brasileiras, mas patenteados lá, enfim, esquecer uma infinidade de carros, equipamentos, etc., etc.

Mais do que simplesmente trocar marcas de refrigerantes e sanduíches, porém, o fundamental é questionar a que ponto de dependência e subserviência aos norte-americanos nós chegamos. E não só na questão econômica ou na dívida estratosférica que só cresce. Mas, principalmente, em relação à cultura e à ideologia estadunidenses. Se até o início do século passado éramos colonizados pelas idéias e a estética francesas, desde então a invasão norte-americana não deu tréguas, conquistando mentes e corações, tornando seus valores referência para a nossa arte, cultura, economia, enfim, nossa forma de ver o mundo. Daí que muitos “críticos” daqui babam por qualquer bomba hollywoodiana e descem a lenha em ótimas produções nacionais. Ou seja, pensam com a cabeça dos americanos.

Tentar excluir de nossa vida tudo que vem de lá, mesmo que fosse possível, seria um enorme retrocesso histórico. O imprescindível é ter uma relação crítica com tudo o que vem de fora, exatamente como eles fazem conosco. Só compram de nós o que acham que é de qualidade e sempre que têm um produto similar dão preferência ao deles.

Na área cultural, o caminho foi apontado há quase um século pelos artistas que lutavam contra a invasão estrangeira que então já despersonalizava nosso País. Com o Manifesto Antropofágico, Oswald de Andrade e seus colegas defendiam que a cultura européia deveria ser incorporada pela arte brasileira, mas remodelada a partir das nossas características próprias e únicas. Ou seja, não engolindo simplesmente, mas mastigando bem e separando para deglutir só o que nos interessa. Como fizeram os índios caetés em Alagoas com o bispo Sardinha, e que inspiraria os modernistas 400 anos depois. Fazendo isso, deixaríamos de consumir o lixo que nos despejam na cabeça diariamente e eles passariam a nos olhar com mais respeito. E, quiçá, até a incorporar valores bem brasileiros, como a alegria no dia-a-dia, a fraternidade, o respeito às religiões, à cultura e à soberania de outros povos.

(*) O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor é um dos órgãos que defende o boicote. Seu endereço na internet : www.idec.org.br

Douglas de Souza (domingo@parana-online.com.br) é editor de Cidades e do Caderno de TV.

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