Gaudêncio Torquato
Depois de três anos de administração municipal e de um ano de administração estadual, é hora de perguntar: quais governos fizeram a lição de casa, quem cumpriu ou começou a cumprir as promessas de campanha, ou ainda, que mandatários estão apenas fazendo uma maquiagem disfarçada no perfil? É claro que muitos dos nossos governantes aparecerão na televisão, nesse apagar de luzes, e de cara lavada e com a maior desfaçatez, cumprimentarão as famílias, desejando-lhes felicidades, tentando ainda mostrar que fizeram um bom trabalho, só não alcançando melhores resultados em virtude da “pesada herança” recebida de governos anteriores. Aproveitarão a oportunidade para mostrar algumas “pílulas” oferecidas ao alcance da população por suas administrações, na esteira de um oportunista e escandaloso marketing que, infelizmente, está dominando todos os espaços da política nas três esferas da administração pública em nosso País.
À população restará avaliar se as promessas foram cumpridas ou parcialmente atendidas. Infelizmente, poucos se recordam da verborragia que toma conta dos programas eleitorais. Mas será possível, ao menos, distinguir as promessas mais fortes e as diretrizes estratégicas firmadas por ocasião das campanhas. O importante é procurar descobrir se os governantes têm sido leais em seus governos, determinados e corajosos no dia-a-dia da administração ou se continuam a usar as luzes da visibilidade propiciada pelo poder para emoldurar a visibilidade de suas caras, encorpar a camada populista de seu perfil e abrir os horizontes com vistas ao cenário eleitoral de 2004.
Infelizmente, o cenário político propicia climas de campanhas eleitorais permanentes. A política está, cada vez mais, espetacularizada. Nos últimos 10 anos, o marketing político tem sido superdimensionado, ganhando crescentes recursos de administrações que procuram se escudar numa estética exuberante para esconder a ausência de programas sólidos e estruturantes. O Brasil que chega ao final de 2003 é um território de verbos bonitos, adjetivos pomposos e desculpas esfarrapadas, realçados por verbas polpudas e indivíduos inescrupulosos montados na cavalgadura de um marketing sem compromissos com a verdade. Por isso, o enfeite de muitas administrações estaduais e municipais terá, neste final de ano, cores tão ou mais berrantes que a decoração natalina.
Haverá certamente um grupo de administradores que ganhará o reconhecimento das comunidades. Seu perfil é o de seriedade. Não transigem com negociatas. São fiéis a seus sonhos. Tomaram, no início de seus governos, medidas duras e até impopulares. Fogem da demagogia. Cortam excessos, enxugam a máquina, definem e invertem prioridades. Escolhem programas que primam pelo ataque às causas dos problemas, fugindo dos aplausos fáceis de projetos que causam impacto visual, como ações de embelezamento de parques e ruas, canteiro de obras (para propiciar o comentário – “fulano(a) trabalha”), construção de praças e monumentos. Muitos prefeitos, candidatos à reeleição, estarão na ponta de um conceito de “administração de impacto”. Outros, em menor número, focam sua atividade para “as obras invisíveis”, que não dão voto (saneamento básico, por exemplo), mas exercem função social mais forte.
No time dos governadores, pode-se contabilizar três espécies de jogadores: os que preferem conservar sua identidade e jogar apenas numa posição; os que jogam em qualquer posição, e aqueles que simplesmente não saem do lugar. Os primeiros conservam sua identidade, o eixo central. Governos com identidade sabem o que querem, para onde vão e o que precisam. Definem programas fundamentais, meios, recursos, estratégias e cronogramas. São os perfis mais adequados para a modernização das instituições e o desenvolvimento dos estados. Os que jogam em qualquer posição primam por querer aparecer em todos os lados e acabam não tendo um vértice. Assemelham-se a um mosaico colorido numa parede. Não se distingue a parte mais importante. Esse grupo funciona como uma espécie de despachante do povo. Fazem um pouco de tudo e acabam não fazendo quase nada. A política acabará tragando seus perfis, um pouco mais adiante, pois seres invertebrados desaparecem no meio de tempestades. Os governantes que não saem do lugar são raros, mas existem. Suas administrações patinam no mesmo lugar e os mandatários são desmotivados e não têm liderança sobre as equipes. Não chegam a um segundo mandato.
Aoque tal mostrarem suas caras, neste final de ano, esses perfis estão exibindo as facetas múltiplas de um País que ainda engatinha no terreno da administração pública.
Falta de continuidade das administrações, bilhões que se perdem porque o governante que chega ao poder quer apagar os feitos de seu antecessor, ausência de foco, quadros precários, insuficiência de recursos, recursos mal utilizados e exageros cosméticos – eis aí uma pequena radiografia da nossa vida administrativa. Felizmente, há uma boa coisa que funciona como um freio aos devaneios e desvios de mandatários: a lei de responsabilidade fiscal. É de se esperar que não seja flexibilizada, como já defendem prefeitos e governadores.