Algumas pessoas afirmam que a gatunagem no Brasil é fenômeno contemporâneo. Os documentos comprovam que não. A origem da corrupção no Brasil remonta às nossas raízes históricas. Na Revista Nossa História, lançada em novembro de 2003 (p. 62-67), Eduardo Bueno, escritor, jornalista e aficionado pela História, desenvolveu o artigo Pública ladróice que apontou os primeiros sinais de ladroagem no Brasil. Como ocorreu esta trama?
As autoridades que desembarcaram no País, em 1549, com o intuito de instalar o governo-geral (centralização do poder para melhor administrar), foram Pero Borges, ouvidor-geral, espécie de ministro da Justiça que também era desembargador, e Antônio Cardoso de Barros, provedor-mor, quase um ministro da Economia. Ambos foram acusados de desvio de dinheiro do Tesouro Régio. Os desmandos e abusos nos dois primeiros governos-gerais (Tomé de Souza e Duarte da Costa) “vão desde o adiantamento dos salários mais altos (pagos com um ano de antecedência aos funcionários mais graduados) até o cancelamento puro e simples do pagamento aos trabalhadores menos qualificados (que precisavam labutar o ano todo antes de receber no caso, de não receber). Além disso, o ?mantimento? (ou a ração alimentar que deveria ser distribuída pelas autoridades aos funcionários e a alguns trabalhadores) era, segundo um contemporâneo, ?pura burlaria?, com pesos e medidas freqüentemente fraudados. Muitas das empreitadas contratadas pelo Estado durante a construção da Cidade de Salvador foram feitas com preços superfaturados após licitações fraudadas”.
Interessante. O próprio Pero Borges comentara que o Brasil (mesmo antes do advento do governo-geral) vivia em corrupção, abuso e incompetência. “Uma pública ladróice e grande malícia” eram os seus diagnósticos, segundo Bueno (2003). Aliás, esta retórica demagógica é bem conhecida na atualidade. Um dos exemplos é o do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Durante a campanha política, prometeu moralizar o País, fez denúncias à corrupção e disse ser o “caçador dos marajás” que se saciavam do patrimônio público. Mas a realidade mostrou que Collor não era o que afirmava. Envolvido em corrupção, foi afastado (impeachment) do poder.
Portanto, embora a História do Brasil foi e continua sendo feita por inúmeros trabalhadores honestos, o mesmo não se pode dizer de muitos elementos dos poderes executivo, legislativo e judiciário, que estão em descrédito perante os decentes trabalhadores. Refiro-me ao escândalo do Banestado, dos juízes Nicolau dos Santos Neto, o “Lalau”, e João Carlos da Rocha Mattos, do “esquema gafanhoto” de Roraima, Waldomiro Diniz, e por ai vai…
Acredito na transformação interior do ser humano. Não é possível conceber que pessoas venham ao mundo só para ludibriar e levar vantagem sobre os outros. Acredito na conversão do indivíduo ao transcendente. Enquanto esta não ocorrer, cabe aos verdadeiros cidadãos ficarem atentos aos “ligeiros” que exercem funções públicas. A observação e a denúncia são práticas democráticas.
Jorge Antonio de Queiroz
e Silva é pesquisador, professor, historiador e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.queirozhistoria@terra.com.br