A legitimação dos dogmas vem se tornando cada vez mais complexa – e esta é uma constatação que se reflete também no Poder Judiciário.
O Estado Moderno, em todas suas manifestações, vem sofrendo com o problema do déficit de legitimação, basta olhar os noticiários que percebemos um descrédito, seja em relação ao Executivo, ao Legislativo, mas também quanto ao Judiciário.
Eis que é imperiosa uma indagação: Há solução para reabilitar ou conter o desmantelamento dos Poderes? Para arriscar qualquer resposta, sem o grave risco da leviandade, necessário se faz, primeiramente, organizar analiticamente a questão.
A administração da justiça no Brasil está em crise e podemos equacioná-la, sem o compromisso do esgotamento do tema, sob a perspectiva estrutural.
Pode-se inicialmente levantar a questão do ordenamento jurídico.
Vemos uma estrutura legislativa ineficiente, seja porque a lei criada sob a forma de normas abertas, diáfanas que deveriam servir para impedir seu engessamento no tempo e espaço, acaba por ser destinada a mudanças cíclicas, bem como a retoques em breves períodos de tempo impulsionados por pressões corporativas e fruto de uma técnica legislativa que produz, propositadamente, normas ambíguas, obscuras e de difícil interpretação – é o fenômeno da ?ambigüidade da legislação?, que alonga inevitavelmente os tempos processuais, em especial defronte à imperiosa necessidade de um posterior controle difuso ou abstrato de constitucionalidade.
Por outro lado, verifica-se também uma crescente complexidade das lides diante das novas figuras contratuais, da evolução tecnológica, dos novos direitos e difusas aspirações (novas questões de bioética, internet, globalização, tecnologias, etc.) que trazem motivos de incerteza sobre a projeção das relações, alimenta as possíveis ocasiões de litigiosidade, denuciando, ao mesmo tempo, lacunas e desorientação na abordagem cultural dos operadores do direito.
Ainda do ponto de vista estrutural, há que se falar da organização judiciária, que se pode analisar em duas vertentes: a organização gerencial do Judiciário e a formação dos operadores jurídicos. Sob o primeiro aspecto, há que se considerar que não basta ter Judiciário, ele deve funcionar a contento. Por exemplo, não basta ter a Comarca na cidade, mas ela deve ter condições mínimas, físicas e de pessoal, para que as lides sejam resolvidas e, para tanto, deve-se levar em conta, de um modo especial, as diversas realidades regionais do nosso país. Não basta a criação dos Juizados Especiais para as causas de menor complexidade e sem custos para o jurisdicionado, mas as audiências devem ser marcadas em tempo compatível com a justa resolução do conflito e não após o perecimento do direito ou a sua ineficaz solução.
A fim de levar a cabo este intento, deve-se destinar dotação orçamentária suficiente para realização de novos prédios, aquisição de computadores, livros, recursos tecnológicos, contratação de auxiliares da justiça qualificados e constantemente atualizados, mas também, e sob o segundo aspecto enfocado, deve-se investir na formação dos operadores jurídicos.
Aos advogados, membros do Ministério Público e especialmente os magistrados, deve ser destinada uma formação compatível com a realidade sociopolítica e econômica em que deverão atuar. Não basta uma formação técnica, não é suficiente saber a legislação escrita nos códigos, o operador jurídico é o homem do seu tempo e deve estar engajado nas questões concernentes à sua realidade. É necessária uma formação não apenas dogmática, mas crítica, ética e sociológica.
Neste contexto, a reformulação curricular é pressuposto, discutir amplamente a realidade social também faz parte do ofício do operador jurídico, a politização das questões jurídicas (não necessariamente sob o aspecto político partidário) deve ser pauta das Universidades e dos grandes debates nacionais.
Há que se mudar a mentalidade, formar e não apenas informar, e o início de tudo está na revolução e evolução do ensino jurídico. Neste processo de reestruturação do Judiciário também se faz importante a participação da sociedade, o Judiciário também somos nós, cidadãos que dele nos utilizamos.
A conscientização que cada um é responsável pelas suas atitudes auxilia, sobremaneira, neste processo, pois restariam a serem ?tratados? pelo Estado apenas os casos cuja doença social é grave e impede ou torna muito difícil e de grande custo social uma solução privada.
Há necessidade de aculturamento social para utilização da estrutura judiciária.
O fato é que todas as questões apontadas e tantas outras desta natureza, as leis, simplesmente ao entrarem em vigor, não resolvem. Percebe-se um discurso ideologicamente enraizado voltado às soluções legislativas, como se num passe mágica todos os problemas estariam solucionados.
É preciso mais, é preciso romper com os credos ideológicos modernos, mas sem perder de vista as grandes conquistas dos dois últimos séculos.
O Judiciário exasperadamente deve ser fortalecido sob pena da derrocada de um bastião do Estado democrático de direitos. Por isso, para implementar qualquer reestruturação há premissas; além de debates a partir de dados como aqui apontados, principalmente mudança de atitude, boa vontade, eticidade nas condutas, tornarmo-nos cada um de nós um exemplo sem esperar a atitude ?correta? do outro, pois o coletivo se faz a partir de cada indivíduo.
Luciana Drimel Dias é mestre e doutora em Direito pela UFPR e Università degli Studi di Milano e professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.