A Constituição Federal, nunca é demasiado referir, guiada por elogiável e fundamental espírito democrático, estabelece no seu artigo 5.º, inciso LV, que ?aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes?.

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O emprego pelo texto maior da expressão ampla defesa não é casual, mas fruto do estabelecimento da garantia de que todas as pessoas acusadas, criminal ou administrativamente, serão efetivamente defendidas e não será estabelecido mero contorno formal de defesa para a satisfação aparente de regras procedimentais.

Não por outra razão o Egrégio Supremo Tribunal Federal tem posição pacífica no sentido de que ?especialmente no processo penal, cumpre atuar com atenção voltada para os aspectos que conduzem à apuração da verdade real e a efetiva defesa do acusado?.(HC 69478 / MG).

A relevância que se confere ao campo da efetiva defesa do acusado no processo penal é de magnitude ímpar nas legislações contemporâneas dos Estados Democráticos, ante a certeza consolidada ao largo dos séculos de história humana de que somente o processo em que haja concreto trabalho defensivo permite a aproximação da verdade válida e, ao Judiciário, a realização da tarefa de fazer Justiça.

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Uma preocupação especial surge nos momentos de grande comoção social, como o atualmente vivido no Brasil, com o aparente descontrole da criminalidade, pois há uma tendência em acionar o que, em feliz imagem, o articulista André Petry (revista Veja. Edição 1996.) chamou de ?botãozinho mental? que conduz as pessoas ao irracionalismo e a agirem tal qual avestruz, escondendo-se atrás de aumentos desnecessários na sanção penal e no sacrifício de garantias e direitos fundamentais, para que os problemas efetivos da sociedade, que conduzem à crescente espiral da delinqüência, não sejam enfrentados.

O ?botãozinho mental? preocupa de forma mais evidente quando se fala de acusação criminal, em que há uma tendência natural de aversão para com o denunciado, independente da apuração efetiva de sua responsabilidade.

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Ocorre, porém, que a construção de uma real civilização passa necessariamente por enfrentar os momentos de maior clamor social, nas mais gravosas acusações, sem admitir o desrespeito aos direitos e garantias sobre os quais se estrutura a democracia.

Justamente a garantia da defesa efetiva é um dos campos em que a tendência à hostilidade, nos momentos de irracionalidade social gerado pelo crime é maior, razão porque da necessidade de maior vigilância pelo guardião maior da carta política, qual seja, o Poder Judiciário, pois a entrega deste ao irracional representa a concreta verificação do fim na esperança democrática.

Dentro da lógica constitucional de que a defesa deve ser ampla e não meramente formal, não basta que conste nos autos do processo a presença de um advogado para atuar em favor do acusado, é necessário que haja efetiva atuação do defensor, fazendo reperguntas às testemunhas, desenvolvendo razões fundamentadas, com garantia plena de atuação pelo Estado Juiz.

Igualmente, ao acusado, nos momentos em que manifesta-se diretamente, como no do interrogatório, deve estar presente toda a garantia defensiva, que caminha desde a liberdade absoluta de silêncio até a possibilidade de apresentação de versões sobre o fato em julgamento, sem jamais poder ser prejudicado por sua condução pessoal.

Fere, também, a ampla defesa, a nomeação de defensor dativo, pelo juiz, ao acusado que possua outro de sua escolha, quando ocorrem impedimentos justificados ao comparecimento deste ao ato processual. Havendo eleição do patrono do acusado, não pode o magistrado, em utilitarismo odioso, a pretexto de conferir celeridade, nomear outro defensor para a pessoa, se quem ela escolheu não pode, por motivo justificado, comparecer ao ato processual.

A invocação da celeridade, em tal exemplo, é a invocação às avessas do princípio, pois ninguém dele se beneficia, na medida em que se limitou a capacidade defensiva do acusado, a pretexto de solucionar o seu problema mais rápido. A verdade é que soluções como esta representam o abandonar do acusado a própria sorte, para não atrapalhar a agenda do cartório e, assim, pessoas são condenadas sem efetiva defesa para que o agendamento do cartório judicial seja preservado. Sem dúvida a infelicidade de tal utilitária solução é gritante.

A garantia defensiva é um princípio fundamental em que se assenta a própria nação brasileira, portanto, não há possibilidade de convívio com decisões condenatórias, mesmo nas mais gravosas acusações, quando construídas a partir de processo em que não houve defesa real e efetiva em favor do acusado.

Por derradeiro, vale refletir quanto à gravidade representada pelo processo penal e a magnitude das conseqüências advindas da condenação, fortalecendo a idéia de que quanto mais gravosa for a acusação maior devem ser a cautela e prudência.

A forma legitimada pelo Estado Democrático de Direito de manifestar prudência e cautela é a do apego à lei e às formalidades técnicas.

Abdicar dos princípios fundamentais, como o da ampla defesa, em prol de um processo utilitarista, é abdicar da margem mínima de segurança que os cidadãos possuem, no Estado Democrático, para fazer frente ao gigantismo do poder estatal, medida, portanto, que não pode ser aceita e necessita de permanente combate.

Dentro da salutar lógica da limitação da intervenção estatal, em confronto com a restrição aos direitos e garantias fundamentais, justamente no judiciário se assenta o ponto fundamental da problemática, pois se este cede à pressão irracional que domina em momentos de grave crise na segurança, legitimando o utilitarismo sacrificante do devido processo legal, caminha a sociedade para as trevas do autoritarismo.

Por tal razão, vale lembrar o moleiro alemão Sans Souci que resistiu às pretensões despóticas do rei Frederico II da Prússia, que desejava expropriar-lhe o moinho, não para construção de obra de interesse público, mas para ampliar a vista do Palácio Real.

Há juízes em Berlim!

Assim exclamou o simples e altivo moleiro diante do monarca aturdido, mas no íntimo satisfeito pela confiança do homem do povo na independência do Poder Judiciário, na fé inabalável no próprio sistema jurídico sob o qual vivia, na credibilidade absoluta de que o Poder Judiciário mantinha-se livre das pressões e influências para julgar sempre com base nas leis do país.

Adel El Tasse é advogado em Curitiba. Titulariza o cargo de procurador Federal junto à Universidade Federal do Paraná. Desempenha a atividade do Magistério, na cadeira de Direito Penal, em cursos de graduação e pós-graduação, em diferentes instituições de ensino superior. Professor nas Escolas da Magistratura Federal e Estadual do Estado do Paraná. Professor no Curso LFG (São Paulo/SP). Mestre e doutorando em Direito Penal Integrante da coordenadoria do Paraná da Associação Brasileira dos Professores de Ciências Penais. adel@eltasse.com.br