A eclosão e a forma como vem sendo conduzida a invasão do Iraque são reflexos imediatos de doutrinas norte-americanas que surgiram recentemente no âmbito das relações internacionais, com o objetivo de determinar as linhas gerais da atuação estratégica dos EUA durante o governo de George W. Bush.
Conceitos consagrados em tempos anteriores, sobretudo no período da Guerra Fria, como coibição, dissuasão, contenção e reversão, são atualmente substituídos por preempção, prevenção, precedência e antecipação.
A Doutrina Bush
Lançado no mês de setembro de 2002, o documento “Estratégia de Segurança Nacional dos EUA” lançou as bases do novo projeto imperial norte-americano, consagrado deste então como a “Doutrina Bush”. Segundo o texto, tal estratégia de segurança nacional tem como base “um internacionalismo distintamente americano”, que exteriorize a “união dos nossos valores e de nossos interesses nacionais”, com o objetivo expresso de “ajudar na construção de um mundo não apenas mais seguro, mas melhor”.
Para tanto, o governo americano se dá o direito de “defender as aspirações de dignidade humana; fortalecer alianças para derrotar o terrorismo global e trabalhar para evitar ataques contra nós mesmos e contra nossos inimigos; trabalhar conjuntamente com os demais para neutralizar conflitos regionais; evitar que nossos inimigos ameacem a nós, a nossos aliados e a nossos amigos com armas de destruição em massa; iniciar uma nova era de crescimento econômico global através de mercados livres e do livre comércio; expandir o círculo de desenvolvimento através da abertura das sociedades e da construção da infra-estrutura da democracia; desenvolver agendas visando à ação conjunta com outros grandes centros de poder global; e transformar as instituições de segurança nacional americanas para que elas possam fazer frente aos desafios e às oportunidades do século XXI”
Parte-se, então, da constatação da existência de novos inimigos no cenário internacional que, por sua vez, exigem novas formas de combate. Não basta mais conter o avanço de um outro Estado concorrente e coibi-lo, através de contra-ataque, porque agora a ameaça advém de outras fontes. Primeiramente, os grupos terroristas, que não se fixam num local específico, são suicidas e conseguem escapar das sanções e retaliações. Em segundo lugar, os ditadores que comandam os “Estados meliantes”, ou seja, aqueles que “rejeitam os valores humanos básicos e odeiam os Estados Unidos” e “estão determinados a adquirir armas de destruição em massa”.
Por isso, ainda segundo a doutrina Bush, a saída para o impasse está na denominada “contraproliferação preventiva”, que se resume na máxima “temos que conter essas ameaças e nos defender contra elas antes que elas sejam desencadeadas sobre nós”. Desconsidera-se então a regra do Direito Internacional consagrada na Carta da ONU, que admite o uso da força apenas em situação de legítima defesa. Os EUA reivindicam para si o superior poder de agir antecipadamente.
A Doutrina Rumsfeld
Elaborada pelo atual secretário da Defesa dos EUA, a Doutrina Rumsfeld é uma conseqüência direta da Doutrina Bush, consagrando seus aspectos práticos, ou seja, expressando as condutas e táticas da guerra.
Donald Rumsfeld foi o idealizador de diversas mudanças nas Forças Armadas dos EUA, quer em relação ao seu controle, transferindo-o para as autoridades civis, quer em relação às suas principais características, tornando-as mais dinâmicas e adaptadas ao mundo posterior à Guerra Fria e aos atentados de 11 de setembro.
Em relação à definição das estratégias das incursões bélicas, sua doutrina representa claramente o unilateralismo norte-americano ao definir que os EUA detêm o monopólio do planejamento e da definição dos meios e modos de atuação, cabendo aos países parceiros apenas a adesão para a execução.
Rumsfeld se destaca ainda por sua opção pelo conhecimento científico e pelas tecnologias de ponta, com ampla utilização de aparelhagem elétrica, celular e de microondas, sobretudo nos ataques aéreos, em detrimento do número de homens combatendo diretamente no território inimigo. A ordem é fazer ataques fulminantes e avassaladores, causando o denominado “choque e pavor”. Ainda é cedo para se comprovar a eficiência dessa teoria para a conquista do objetivo final da guerra. No campo de batalha, ela não tem se mostrado plenamente eficaz, tendo inclusive recebido algumas críticas em virtude das demonstrações de resistência por parte dos iraquianos, que se encontram em condições muito mais desfavoráveis. No campo das relações humanas, no entanto, ela já apresentou resultados: o mundo inteiro está horrorizado com o número de mortos e feridos.Um verdadeiro “choque e pavor”.
Tatyana Scheila Friedrich
é advogada, mestre pela UFPR, membro do Nupesul (Núcleo de Pesquisa em Direito Público do Mercosul/UFPR) e professora de Direito Internacional Público no curso de Direito das Faculdades Curitiba e nos cursos de graduação e pós-graduação em Relações Internacionais da Universidade Tuiuti do Paraná – UTP.