Freqüentemente temos sido surpreendidos com greves nos serviços públicos e sempre nos deparamos com a discussão sobre a legalidade dessas paralisações. O assunto veio novamente à tona com a disposição do presidente Lula em ver um projeto de lei aprovado rapidamente pelo Congresso Nacional para regular a matéria. Diversas entidades, como a OAB (Ordem dos Advogados Brasil), têm procurado auxiliar na elaboração da legislação, sugerindo proposições como a regulamentação da negociação coletiva, os direitos dos grevistas, critérios para assegurar a continuidade dos serviços essenciais e a definição do que é greve abusiva, entre outras.

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O servidor público é a pessoa que presta serviços com vínculo estatutário (não celetista) à Administração Pública. Apesar de a greve ser um direito assegurado na Constituição, o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) é o de que ela não é legítima (legal) no serviço público, porque se encontra com seu exercício limitado à regulamentação por lei específica. Em alguns casos, o órgão permitiu, excepcionalmente, aplicar a Lei da Greve 7.783/89 aos movimentos grevistas recém-ocorridos no serviço público até que essa situação seja regulamentada por lei específica.

Mas o posicionamento corrente no Supremo é considerar ilegal a greve no serviço público pela ausência de uma lei regulamentadora para o assunto, o que nos leva a considerar que os descontos dos salários dos servidores nos dias parados são lícitos. Atualmente, uma grande maioria entende que a regulamentação ao direito de greve no serviço público deslocaria a competência para órgãos federais ou estaduais, a depender da vinculação estatutária.

Mas pode ocorrer o contrário. A EC 45 alterou a competência da Justiça do Trabalho, incluindo no rol de competências da justiça especializada o julgamento de ações que envolvam o direito de greve. A atribuição dessa competência, sem qualquer limitação, pode desaguar no entendimento de que, em caso de greve no serviço público, a competência para o julgamento das ações que envolvem o tema poderia passar a ser da Justiça do Trabalho. Assim, em caso de regulamentação da greve no serviço público, deverá necessariamente haver uma alteração no rol constitucional para excluir expressamente essa competência da Justiça Trabalhista, caso se deseje que a greve no serviço público não seja julgada pela Justiça do Trabalho.

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Também se fala muito na aplicação da Convenção 151 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que é aplicável a todas as pessoas empregadas pelas autoridades públicas e ainda prevê a instauração de processos que permitam a negociação das condições de trabalho.

O problema é que existe o sindicato dos servidores públicos, ao mesmo tempo em que fica difícil constituir o sindicato da Administração Pública, já que a mesma não pode ser considerada uma atividade econômica, produtiva, sendo o próprio Estado. Dessa forma, quem seria competente para sentar com o sindicato dos servidores e negociar? Nada menos que o próprio governo.

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O Supremo já enfrentou algumas vezes esse dilema. E sempre esclareceu que, embora exista o direito à greve dos servidores públicos, os direitos à celebração de convenções e acordos coletivos é reservado estritamente aos trabalhadores da iniciativa privada. Isso porque a celebração de acordos coletivos depende da autonomia negocial das partes que se encontra ausente ou plenamente vinculada ao princípio da legalidade na Administração, equivalendo dizer que qualquer concessão remuneratória aos servidores públicos deve ser precedida de lei.

A partir do momento em que os vencimentos dos servidores públicos são fixados e estabelecidos em lei, há o impedimento de serem livremente alterados por negociação entre as partes, porque toda lei deve ser votada e, assim, independe da vontade única da Administração ou dos servidores. Sem falar na Lei de Responsabilidade Fiscal, que impede o aumento se não houver registro na previsão orçamentária.

Além disso, existem outros princípios que regem a Administração, como o princípio da prevalência do interesse público sobre o privado. A partir do momento em que se autoriza a greve no serviço público, prejudicando a sociedade como ente coletivo em favorecimento do atendimento do interesse de alguns (servidores públicos), esse princípio cai por terra.

Como se vê, a regulamentação da greve no serviço público não é tarefa fácil, uma vez que envolve uma série de modificações conceituais, da Constituição e de princípios administrativos que podem, muitas vezes, contrariar as bases da Administração pública. Talvez essa seja a principal razão para que ninguém tenha ousado regulamentá-la até agora.

Daniela Santino é advogada de Direito do Trabalho. daniela.santino@correiadasilva.com.br

Itamar de Carvalho Júnior é advogado de Direito Administrativo. itamar.carvalho@correiadasilva.com.br