Os movimentos sindicais que acompanharam Lula em todas as suas campanhas, como líder de trabalhadores ou como líder político, jamais imaginaram que uma vez presidente viesse a propor uma legislação antigreve tão dura. A Advocacia Geral da União (AGU) encaminhou à Casa Civil anteprojeto de lei disciplinando a greve no funcionalismo público, depois que o presidente falou em restringir o direito de greve dos que trabalham para o governo. Melhor dizendo, para os governos federal, estaduais e municipais. Lula afirma e reafirma, sem convencer, que reconhece o direito de greve dos servidores públicos. Mas o quer limitado, de forma a que os serviços essenciais à população sejam garantidos. Até aí, tudo bem. Ninguém de bom senso pode pregar a greve em setores como os de saúde, segurança pública e outros que transformam o povo em vítima e as autoridades empregadoras em parte inocente. E os grevistas em irresponsáveis.
Mas o governo atual, que prepara a nova legislação, considera todos os serviços públicos essenciais e, por isso, devem ser excluídos dos que podem ser paralisados quando deflagradas as greves. Parece piada. Há serviços públicos que não têm nada de essenciais. Muitos são secundários e não poucos até dispensáveis. Há uma burocracia gorda e pesada e não faltam repartições inúteis ou de duvidosa utilidade que até mereceriam a extinção e nunca a medalha de serviço essencial. Engulamos essa generalização para aceitar que a greve no serviço público deve ser regulada de forma diferente das que podem ser declaradas em serviços privados.
O anteprojeto anunciado prevê que para deflagrar uma greve pelo menos 2/3 da categoria de funcionários públicos têm de participar da assembléia. Esse quorum qualificado torna mais difícil a greve dos servidores, embora milite em favor do governo o argumento de que precisa ficar bem clara a decisão da classe que usa a greve como meio de pressão para conseguir o atendimento de suas reivindicações, confrontando-se com seus patrões, os governos. Esse quorum qualificado não deixa dúvidas. O anteprojeto determina ainda que em todos os setores 40% do serviço tem de ser mantido. A Justiça do Trabalho tem exigido isso, pois é certo que uma greve no serviço público, principalmente quando em setores de fato essenciais, não pode desprezar as necessidades do povo que passam a ser desatendidas. Os 40% que ficariam trabalhando enquanto transcorre o movimento paredista manteriam o serviço em funcionamento num mínimo indispensável para o atendimento do público.
A nova lei deverá exigir, ainda, que a classe em greve avise as autoridades com 48 horas de antecedência quando decidir pela paralisação. Uma medida acertada, pois evitará que gente do povo gaste tempo e dinheiro (que não tem) para procurar repartições públicas que encontrará de portas fechadas ou barradas por piquetes.
O anteprojeto do governo é tecnicamente defensável, mas politicamente um verdadeiro rompimento com os funcionários públicos como classe trabalhadora. E um embate de frente com os movimentos sindicais, aumentando o fosso que vem se aprofundando entre a administração dita dos trabalhadores, e os próprios trabalhadores. É uma virada que influirá na mudança de rumos da chamada esquerda socialista que nos governa. Cada dia mais ela ruma para o centro, quando não para a direita.