A onda de greves que pipocam em todas as partes e instâncias do País nos leva a refletir sobre a validade e a eficácia de um direito constitucional. O trabalhador tem o direito de reivindicar seus direitos, desde que de maneira organizada, sem baderna e com objetivos claros, o que não quer dizer que precisa fazer greve. Da mesma forma que tem o direito de viver dignamente. E da mesma forma que os patrões (sejam privados ou públicos) têm o dever de cumprir suas obrigações para com os subordinados, tanto contratuais quanto previdenciária, trabalhista, legal, fiscal, moral, constitucional…
Aspas. Para cumprir a Constituição, o salário mínimo deve cumprir a função para a qual foi criado (conforme o artigo 7, capítulo IV: “capaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”). Pelos cálculos do Dieese, esse valor seria de R$ 1.421,62 ou 5,9 vezes o mínimo de R$ 240, que não cobre nem os gastos com alimentação básica de uma família. O movimento sindical reconhece que é impossível atingir esse patamar em pouco tempo (com ganhos reais de 12% ao ano, levaria 16 anos), mas defende a implantação de políticas de longo prazo para recuperar o poder aquisitivo da população. Fecha aspas.
Apesar de as greves constituírem uma forma de pressão, não dá para negar que prejudicam todos os envolvidos. No caso de empresas, com a produção parada, as entregas são atrasadas, corre-se o risco de perder contratos, que por sua vez geram a possibilidade de desconto das horas paradas, eventuais demissões, e toda essa bola de neve pode virar contra a categoria insurgida. Os empresários, em suas confortáveis salas, sempre se dizem abertos a dialogar, mas pouco podem oferecer porque a conjuntura está desfavorável (uma hora é o dólar, outra hora é a Selic, a guerra no Iraque, o atentado no WTC, sei lá mais o quê).
Quando a greve é de professores, alunos ficam sem aula. Quando os docentes voltam ao trabalho, o calendário precisa ser alterado, fica defasado, prejudica quem vai prestar o vestibular, atrapalha as férias de professores, funcionários e alunos. Já uma paralisação de servidores atrasa o já muitas vezes lento atendimento à população em serviços de alta demanda, como INSS, Receita, Justiça…
É comum ouvir dos grevistas que a paralisação não é a melhor saída, mas diante da conjuntura não vêem alternativa. Mas se fizermos uma retrospectiva dos movimentos paredistas no País, será que o saldo é positivo? Ou as perdas que acarretam são mais difíceis de ser compensadas depois? Se analisarmos menos superficialmente: a solução para os conflitos de interesses não costuma vir das longas e demoradas rodadas de negociações entre as partes e, quando esgotadas as tentativas de conciliação, dos tribunais? Perguntas que ficam no ar enquanto o direito de viver dignamente e dentro da lei está em greve.
Se alguém ingressar na Justiça com pedido de dissídio dessa greve, qual será a decisão? Afinal, a Constituição que “garante” o salário mínimo de R$ 1,4 mil é a mesma que dá o direito “legal” de protestar sem trabalhar. Sinal de que a Constituição também está em greve, só que parcial.
Olavo Pesch (olavopesch@oestadodoparana.com.br) é jornalista , repórter de Economia de O Estado do Paraná, e não está em greve.
