Personagem emblemático da luta pela preservação do que resta do ambiente natural no País, especialmente da Amazônia, onde cresceu em meio aos seringais do Acre e assumiu o papel de Chico Mendes, uma das incontáveis vítimas da sanha facciosa dos destruidores da floresta, Marina Silva não é mais a ministra do Meio Ambiente do governo presidido por Luiz Inácio Lula da Silva.
A luta desta mulher enfraquecida pelas doenças contraídas no ambiente silvestre no período da infância e adolescência é reconhecida não apenas no Brasil, mas, sobretudo, nos círculos internacionais onde a consciência da necessidade da preservação do patrimônio natural é tratada como um valor civilizatório. De fato, a ex-ministra Marina Silva estava entre as poucas figuras do ministério que emprestavam ao governo brasileiro uma aura de seriedade e aplauso ao conjunto de ações desenvolvidas em prol do meio ambiente. Ao invés de se tornar motivo de troça e zombaria, como muitas vezes ocorreu em Brasília (Marina era chamada pelos boçais da administração federal de ?ministra dos bagres?), sua figura esguia era reverenciada e sua voz de timbre esganiçado era ouvida com máxima atenção por seletas platéias no mundo todo.
Depois de tantos tropeços e desilusões, ao ver sua autoridade de ministra de Estado solapada pela má vontade da burocracia e mesmo pela pusilanimidade de um governo marcado pelo iníquo comprometimento com desvios de conduta na férrea determinação de não transigir com o erro, não restou à brava acreana que certo dia admitiu estar preparada para ?perder a cabeça, mas não o juízo?, senão escrever uma carta ao presidente da República com o pedido de exoneração.
A verdadeira e palpitante história decerto será desenrolada pelos jornais nos próximos dias, pois o tema é vasto, mas o pouco que se soube adiantou o profundo desagrado presidencial com a forma da saída da ministra. Ele não havia ainda lido a carta e a imprensa já noticiava o pedido de exoneração. Nada mau para um chefe de governo que dias antes confiara ao ministro Roberto Mangabeira Unger, titular de suposta Secretaria Especial de Ações de Longo Prazo (Sealopra) e estranho no ninho planaltino, a coordenação do Plano Amazônia Sustentável (PAS).
Segundo afiançam os principais meios de comunicação do País, nesse caso, o presidente Lula julgou supérfluo cumprir o rito protocolar e cavalheiresco de combinar com antecedência com a colaboradora de longa data, que em primeiro lugar sempre lhe deu mostras irrefutáveis de amizade pessoal e dedicação. Aliás, mais um amigo que se vai. Marina colecionou uma série de evidências do desapreço a ela devotado por vários colegas da Esplanada, porque jamais se intimidou em dizer o que pensava (e pensa) sobre a liberação do plantio de transgênicos, a construção das usinas hidrelétricas do rio Madeira e a leniência do governo em sustar o avanço da agropecuária na Amazônia Legal. O último desgaste sofrido pela ministra demissionária se deu com a revelação dos índices recentes de devastação da floresta, apurados com a utilização de equipamentos tecnológicos de ponta.
Até o presidente Lula considerou em público que os dados liberados pela ministra eram exagerados e prejudicavam a imagem do Brasil no exterior, mas silenciou quando os técnicos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), instituição de altíssimo nível científico, confirmaram com rigor o tamanho da devastação da floresta nativa para dar lugar ao plantio da soja e à criação de gado.
Marina Silva deixará grande lacuna no governo Lula. Ela foi substituída imediatamente por outro político petista, o deputado estadual Carlos Minc (RJ), tendo em vista que o enxundioso leviatã administrativo teve pressa para resolver logo a pendenga e não passar recibo da imensa perda moral e ética que lhe escancarou o lado cruel da face.