A Infraero, estatal encarregada de administrar os aeroportos brasileiros, executa as obras de implantação do chamado ?grooving?, ranhuras nas pistas de pouso que ajudam o escoamento de água das chuvas e, conseqüentemente, a frenagem das aeronaves, no Aeroporto de Congonhas. A pista passou por reformas, mas foi entregue ao tráfego antes da adição dessa complementação. Algo como inauguração de obra inacabada, coisa muito comum no Brasil, onde as placas e os discursos antecedem os feitos.
O ?grooving? será instalado na base de quarenta metros diários por uma força-tarefa, algo parecido com um mutirão, esforço concentrado sempre que não se tem capacidade para fazer o que deveria ser feito. É parte da novela, da tragédia do caos aéreo e dos efeitos do terrível desastre com o avião da TAM que ceifou 199 vidas e colocou o nosso País no alto do pódium de detentor do maior desastre aéreo do mundo nos últimos anos. E, de longe, o mais grave da história do nosso País. Tão grande e tão grave que ainda existe mais de uma centena de corpos a serem reconhecidos, repetem-se missas de sétimo dia em várias cidades brasileiras e há uma porção de autoridades e técnicos arranhando explicações e buscando fazer com que o público entenda o emaranhado de normas e regras que organizam ou desorganizam o sistema aéreo.
Há uma tendência de fazer com que as responsabilidades caiam numa figura conhecida por Pedro, o São Pedro dos católicos – aquele que, na voz do povo, comandaria a porta do céu e as chuvas sobre a terra. Sempre choveu em São Paulo, onde fica Congonhas. A cidade cresceu demais, dando a impressão de que o aeroporto ficou pequeno, esmagado num cerco de edifícios residenciais e comerciais, dentre os quais não faltam arranha-céus. E São Pedro parece inocente.
As normas e os pontos de vista técnicos, que não são desonestos e merecem credibilidade, agora mais se prestam a diversas interpretações. Há as interpretações dos especialistas, as melhores sem dúvidas, embora seja certo de que eles também erram ou se enganam. Há as dos políticos que foram introduzidos pelos partidos mandantes nos sistemas de controle e fiscalização de vôos e outros mais que pululam nesse meio, distribuindo empregos talvez sem suficiente habilitação e com insuficiente preocupação pelo primordial: a eficiência.
Afinal, mas não finalmente, começa-se a descobrir que acidentes como o do Airbus da TAM têm várias causas que se somam, algumas ainda sendo investigadas. E as já descobertas, questionadas. E também que para frear um avião quando está pousando em apenas 1.940 metros de pista sem ?grooving? e molhada várias coisas podem ajudar ou prejudicar sua frenagem. Em suma, a coisa continua na base do ?nem sim, nem não; muito pelo contrário?. O que, como tese, ganha corpo é que há uma longa distância entre a gramática e a prática. Existem muitas entidades do governo que cuidam ou deveriam cuidar do sistema aéreo, incluídos os aeroportos. Há muitas empresas aéreas que, com ou sem culpa, ?vão em cana?. Mas como há mortos às centenas e uma dor lancinante atingindo toda a nação brasileira, é bom prestar atenção num fato: os comandantes dos aviões das companhias aéreas brasileiras decidiram não mais pousar no Aeroporto de Congonhas em dias de chuva. Pode ser que uma porção de regulamentos e autoridades digam que não têm razão para uma medida tão radical. Mas vamos reconhecer: eles, mais do que regulamentos, entendem de alçar vôo, voar, arremeter e pousar. E não poucos já viram a morte de perto. Diante de tantos palpites e tantas dúvidas, é melhor ficar com quem conhece a gramática, mas tem também a prática.