A vida sem um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) que começa na sexta-feira, 1º de abril, não significará grandes mudanças na rotina do governo. O principal ingrediente do acordo, o controle sobre as contas públicas, continuará igual ou até mais rigoroso do que já é. Até porque o governo sempre insistiu que o aperto nos gastos não era uma imposição do Fundo, mas uma decisão soberana do País, que compreende a necessidade de poupar para reduzir o endividamento público.
Ao anunciar a decisão, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, deixou a porta aberta para apertar ainda mais os gastos públicos. "Vamos observar. Aumentamos no ano passado pelas condições dadas pela evolução da economia brasileira e continuamos com forte compromisso fiscal", disse o ministro, na noite de segunda-feira. Essa é também a aposta de alguns analistas, que avaliam que o Brasil precisará dar uma demonstração cabal ao mercado que o fim do acordo não significa o fim da responsabilidade fiscal.
Há economistas que enxergam espaço para um aperto maior nos gastos públicos porque a meta fixada para este ano é mais frouxa do que a do ano passado. Em 2004, o resultado das contas públicas deveria chegar ao equivalente a 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Neste ano, a meta está fixada em 4,25% do PIB. Mas, acreditam alguns analistas, nada impediria o governo de elevar esse objetivo, a exemplo do que fez no ano passado (incialmente, a meta de 2004 também era 4,25%).
Sem a tutela do FMI para observar o desempenho das contas públicas, o governo decidiu criar um mecanismo substituto: um detalhamento da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Em vez de, a cada trimestre, os técnicos do Fundo virem ao Brasil para dizer se o resultado das contas do setor público está dentro do previsto, agora serão os próprios técnicos da área econômica brasileira que dirão, a cada quadrimestre, se as contas estão se comportando de modo a atingir a meta fixada na LDO. Ela diz respeito a todas as esferas de governo. Se ficar claro que municípios, Estados ou estatais estão tendo um desempenho abaixo do requerido, a União aperta suas contas.
Tampouco muda a relação institucional que o Brasil tem com o Fundo. Na condição de sócio, o Brasil continua participando de programas como o projeto piloto sobre investimentos. O País poderá investir até R$ 3 bilhões nos próximos três anos, sem que as despesas sejam consideradas no cálculo das contas públicas. Esse mecanismo independe da existência de um acordo. Também na condição de sócio, o Brasil pretende insistir na proposta de se criar um mecanismo mais ágil de socorro a países necessitados.
Tudo isso não quer dizer, por outro lado, que o programa com o FMI não serviu para nada até agora. Uma política econômica chancelada pelo FMI sempre conta pontos a favor de um país emergente diante do mercado financeiro internacional. Também foi útil ao País, ao longo de 2004, ter uma linha de crédito disponível, para lançar mão diante de alguma crise no front externo. Como vinha repetindo o deputado Delfim Netto (PP-SP): "o FMI é o seguro mais barato que existe." É por isso que a sensação de não ter mais um acordo causa frio na barriga de integrantes da equipe econômica, nesse momento em que a economia dos Estados Unidos é fonte de incerteza.