Brasília, 06 (AE) – O presidente Lula tomou hoje a decisão de não recorrer da determinação do Tribunal Regional Federal (TRF) de que sejam abertos os arquivos secretos do regime militar. O presidente comunicou à noite sua decisão ao ministro Nilmário Miranda, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Segundo Miranda, o recurso que a Advocacia Geral da União (AGU) apresentara ao TRF em nome do governo, derrubada hoje, já reconhecia o direito dos parentes de obter todas as informações necessárias sobre os mortos e desaparecidos políticos. "Cabe agora ao governo cumprir a decisão", declarou o ministro.

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Logo após a decisão de hoje do TRF, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, havia dito que iria analisar o teor do acórdão do tribunal para decidir se recomendaria ou não ao governo recorrer contra a abertura dos arquivos. Por meio da assessoria, Bastos reafirmara sua posição favorável à abertura – mas com a preocupação de não provocar crises ou traumas no meio militar.

Caso o governo não concorde com os termos da decisão, o recurso será apresentado pela Advocacia Geral da União (AGU) ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O ministro Nilmário Miranda já havia informado que é decisão de governo reconhecer o direito das famílias de obter informações que levem aos desaparecidos políticos. Nilmário lembrara ainda que o presidente Lula já anunciou que vai rever o decreto baixado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em 2002 que prorrogou por tempo ilimitado o sigilo dos documentos secretos do regime militar. Uma comissão interministerial, integrada por Nilmário, Bastos e mais cinco ministros de Estado, começou há duas semanas a estudar a forma e o prazo para tornar os documentos públicos.

Conforme a decisão do TRF, caberá ao ministro da Justiça promover em 15 dias uma audiência para tratar do assunto com representantes do Ministério da Defesa, Secretaria Especial de Direitos Humanos, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Ministério Público Federal e comandos militares. A maior preocupação do governo é preservar os dados estratégicos de Estado, sem prejuízo da divulgação de documentos que levem à localização e identificação dos corpos de desaparecidos políticos.

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A polêmica sobre os arquivos secretos da ditadura veio à tona por causa da publicação na imprensa de fotos de um homem nu, em situação humilhante, identificadas erradamente como sendo o jornalista Vladimir Herzog, torturado e morto nas dependências do Doi-Codi de São Paulo, em outubro de 1975. Na ocasião, o Comando do Exército emitiu nota oficial, sem consultar ao ministro da Defesa, José Viegas, ou ao presidente da República, na qual justifica a repressão política e glorifica o golpe militar.

Pressionado pelo Palácio do Planalto, o Exército recuou e emitiu outra nota reforçando seu compromisso com os valores da democracia e lamentando a morte do jornalista. Mas o episódio provocou a renúncia de Viegas e reacendeu a esperança dos familiares de mais de 300 mortos e desaparecidos durante a ditadura militar, que até hoje clamam por informações que levem à localização dos corpos.

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Desde 1995, o governo brasileiro vem reconhecendo a responsabilidade pelos militantes de esquerdas dados como mortos ou desaparecidos depois de terem sido capturados por agentes do estado, entre os quais os militantes do PC do B, executados durante a Guerrilha do Araguaia, de 1971 a 1974. O problema tem sido a localização e identificação dos corpos, por falta de informações. As Forças Armadas alegam que todos os documentos da época da repressão foram incinerados ou destruídos após a lei da anistia, aprovada em 1979.