Governo flexível

O recuo do Planalto na anunciada cobrança de mais impostos para pagar dinheiro surrupiado dos aposentados, no dizer do ministro Guido Mantega, do Planejamento, “é uma flexibilização do governo”. O mesmo ministro completou a frase para dizer que “é importante termos um governo flexível”. E mais: “O governo está preocupado em reduzir a carga tributária”.

Até parece. Mas não é. No mesmo dia em que arriava as armas do aumento da derrama, antes anunciadas como únicas e últimas para a solução de um problema antigo, o governo dizia também que o prometido pacote para aliviar o excesso de tributos sobre o setor produtivo estava sobrestado. O episódio lembra o bode na sala de visitas da velha anedota, ora atribuída a Stalin, ora a qualquer outro ditador de plantão: deixa as coisas como estão que estão melhores do que haveriam de ficar.

O recuo do presidente Lula, saudado como um ato de arguta sensibilidade política, pode não ter sido tão bondoso quanto parece. Antes, nas idas e vindas do episódio ainda não concluído, demonstra muito mais que flexibilidade. Demonstra incerteza. Ou indecisão. E, diante do recorde de arrecadação de impostos durante o mês de junho último, coloca a nu uma incongruência da equipe econômica, sempre pronta a avançar no bolso dos contribuintes.

Assim que anunciou a decisão de aumentar de 20% para 20,6% a contribuição patronal, onerando ainda mais a folha de pagamento das empresas, o governo percebeu o nível do alarido que se levantava aqui e acolá. Apressou-se a anunciar “medidas compensatórias” para breve, sem dizer exatamente quais seriam tais medidas e nem quando elas, de fato, iriam entrar em vigor. Anuía, entretanto, com a afirmação sempre repetida, segundo a qual está na hora de parar com a escalada tributária. No primeiro tempo desse toma-lá-dá-cá, mantinha o aumento anunciado, mas, incongruentemente, acenava com compensações que -chegou-se a dizer – seriam substanciais, mais até que o pífio aumento em apreço. Afinal, baixar a carga tributária é, também, uma dessas promessas até aqui não cumpridas.

Percebeu o governo que, como se diz na planície, a casa ia cair. Recebeu uma saraivada de críticas sem precedentes até de aliados seus, entre eles o presidente da Câmara Federal, como a anunciar que o governo se preparasse para uma fragorosa derrota no Congresso. O anúncio do recuo veio, então, também condicionado a compensações. Isto é, não haveria – como não haverá – as tais compensações anunciadas com a convicção de quem estava fazendo o bem na medida certa. “O caso está administrado”, como diz o ministro Mantega.

O bode stalinista foi tirado da sala. E, num primeiro tempo, respiramos aliviados. Mas é importante não perder de vista a importante e oportuna proposta que fica suspensa – a de desonerar a produção pela via do alívio da ingente carga tributária suportada pela sociedade brasileira. Aliás, é isso que imediatamente disseram importantes lideranças empresariais tupiniquins. “A Abdib – Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústria de Base – só espera que a decisão não altere a meta maior de desonerar a produção para induzir a geração de empregos e o aumento da competitividade da indústria”, disse o presidente da entidade, Paulo Godoy.

Depois do aumento da alíquota do PIS e depois da mais que dobra da Cofins, adiar a chamada desoneração da folha de pagamento é, em outras palavras, atravancar as metas de crescimento e de geração de empregos – conversa recorrente em qualquer discurso oficial. Se cerca de 95% da ingente carga tributária destina-se a cobrir despesas de custeio do governo, sem nada ou quase nada fazer em obras e investimentos, se quiser, este resolve os problemas que alega ter de forma rápida e indolor: basta reduzir seu próprio tamanho, que pouco serve à sociedade. Além de flexível, o governo precisa ser sensível a essa realidade.

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