Ao tomar posição feroz contra a CPI do Apagão Aéreo na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, o governo, pelos deputados das siglas que o apóiam, havia vestido a carapuça. Até então, os usuários do sistema de transportes aéreos, que não funciona ou funciona mal, reclamavam das companhias, dos aeroportos, dos controladores de vôo ou quem se atravessasse à sua frente, depois de horas e até dias de verdadeiros martírios à espera de vôos. E principalmente da falta de informações. A não ser por burocráticas intervenções, o governo federal parecia por fora do problema. Ou interessado, mas não responsável ou culpado. Agora, com o requerimento dos partidos oposicionistas, pedindo uma comissão parlamentar de inquérito para o apagão aéreo, o governo assumiu a culpa, brigando até a baixaria para que o organismo investigatório não fosse instalado. Chegou a haver um sério bate-boca na CCJ, o presidente situacionista chamando os oposicionistas de histéricos e estes acusando o governo de impor uma ditadura.
O argumento expresso para negar a CPI é que ela não tem fim determinado, o que é obrigatório, segundo a Constituição. O argumento dos que querem a CPI é que, além das paralisações, atrasos e cancelamentos de vôos, fora outras falhas de difícil explicação, como quedas no sistema computadorizado do controle de vôos, falta de energia elétrica, epidemia de esgotamento físico e psicológico nos controladores de vôos e o maior desastre aéreo já havido no País, o do avião da Gol, há também a acusação do Tribunal de Contas da União de que existem muitas e graves irregularidades nos contratos do governo para construir ou aparelhar aeroportos e o sistema.
Há um certo preciosismo na distinção entre o que seja ou não assunto determinado, pois nos parece que tanto o chamado apagão aéreo, quanto eventuais negociatas no sistema de transportes da aviação civil têm a mesma obscuridade e se fundem no desatendimento dos interesses da população. Tal acontece seja pelo desvio ou má aplicação dos recursos públicos, como pelo esburacamento das vias aéreas. Mas os situacionistas não só enfiaram a carapuça na cabeça do governo, como a enterraram até o fundo. Por 308 votos contra e 141 a favor, com duas abstenções, o plenário da Câmara aprovou recurso do PT suspendendo a instalação da CPI.
Apesar da vitória situacionista, se é que isso pode ser chamado de vitória, a oposição já avisou que espera instalar a CPI de qualquer maneira. A estratégia é buscar reverter o resultado da Câmara no Supremo Tribunal Federal, onde a oposição ajuizou um mandado de segurança. O relatório contra a CPI foi do deputado Colbert Martins, do PMDB da Bahia, que diz não ter visto ?fato determinado?. Já o ministro Walfrido dos Mares Guia disse que ?não temos apagão aéreo. Todas as informações foram prestadas e estão disponíveis?. Se é assim, por que o povo reclama da falta de informações?
A vitória duvidosa do governo pode, de alguma forma, colaborar para mais tumultos nos aeroportos e oxalá não produza mais algum desastre aéreo. Mas causa uma queda no prestígio do governo que muito bem poderia ter sido preservado. Ninguém melhor que a administração Lula deveria estar interessado na CPI, pois é certo que os problemas que atingem o nosso sistema de transportes aéreos não são deste governo, mas vêm da incúria de muitos governos. E o povo e os usuários aplaudiriam uma administração que aceitasse uma investigação a fundo do problema. E ainda fizesse alguma coisa para solucioná-lo.