O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, depois de haver atacado com virulência e ironia o governo Lula, comparando-o a um peru bêbado, do que resultou uma longa resposta do Executivo, acrescentou às suas críticas a de que ?dá a sensação de que o governo está desconjuntado, de que está faltando comando. Há uma certa incapacidade de dar ordem unida ao governo?.
O Planalto condenou os excessos, como falar em ?peru bêbado em época de Carnaval?, respondendo com a exigência de um diálogo mais civilizado e defendendo-se com a sempre longa e nem sempre palpável lista de feitos da atual administração.
Com boa vontade, dá para retirar dessa refrega muita coisa de positivo. Deixe-se de lado o peru bêbado, que é mais próprio para conversa de botequim, para ater-nos à definição de FHC de que o governo dá a sensação de que está desconjuntado. Aí, escoimando a expressão de seu tom pejorativo, vamos encontrar uma verdade que é vista inclusive pelas bases situacionistas. Em episódios vários em que se exigiam bases situacionistas conjuntadas, unidas adequadamente e na defesa das posições do governo, o Planalto sofreu duras derrotas. E derrotas que não lhe foram infligidas só pela oposição, mas também pelas bases situacionistas, que se mostraram desconjuntadas. Foi o caso, por exemplo, da eleição para a presidência da Câmara, vencida por Severino Cavalcanti, e o episódio da MP 232. Dessa desconjunção é prova flagrante a impossibilidade de o governo conseguir aprovar no Congresso importantes matérias e chegar ao absurdo de o próprio situacionismo utilizar-se do expediente da obstrução, para não ser derrotado. Recentes são requerimentos de CPIs e a defesa montada pelo Executivo para blindar o presidente do Banco Central, acusado de várias irregularidades em seus negócios privados. Coisas de um governo que está de fato desconjuntado, pois tem maioria no Congresso, embora às vezes ocasional e só unida à base de muita saliva e troca de favores.
A crítica não parte do situacionismo, mas este reconhece que não está unido em defesa das posições do governo. Parte, sim, do ex-presidente da República. Pudores às favas, o fato é que isso é bom para o diálogo ou a identificação da falta de diálogo entre as forças políticas, inclusive no próprio governo. Se um alto prócer governista do PT fizer críticas ao governo, o que já aconteceu, mas é sempre evitado, não há repercussão tão grande quanto agora, quando quem fala é o ex-presidente e líder oposicionista. É FHC que fala em desconjuntado, algo que todos, inclusive os situacionistas, constatam, mas se inibem em proclamar. E, ao falar em governo desconjuntado, FHC faz um sadio desafio ao situacionismo. Que encontre caminhos comuns e se una, sob pena de caminharmos para a indesejável ingovernabilidade.
