Dias atrás, jornais brasileiros publicaram estudo de um brasilianista norte-americano sustentando que, apesar do apagão aéreo, dos dois gravíssimos acidentes que mataram mais de três centenas e meia de pessoas e da balbúrdia que perdura no transporte aéreo, o governo Lula está passando indene pela crise. Nem mesmo os repetidos escândalos no governo ou em suas cercanias atingem o prestígio de Lula. O presidente consegue passar por inocente ou desconhecedor do que tem acontecido. E apenas a classe média é que tende a responsabilizá-lo pelos descaminhos que em sua segunda gestão se agravam, depois de uma primeira que não foi lá nenhum primor.

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O trabalho do estudioso norte-americano se dirigia ao público do seu país, mas a análise foi tão bem feita que mereceu um editorial deste jornal. O entendimento era de que o prestígio do governo se sustenta nas classes de menor renda, aquelas que vêm sendo beneficiadas pelos programas assistenciais. E estes brasileiros não viajam de avião, têm menos informações e, premidos por suas necessidades básicas, dão maior importância a uma cesta básica ou qualquer outro benefício que se traduza em um pouco de comida em cima da mesa. Tendem a aplaudir ou pelo menos ser condescendentes com um governo que mantém esses tipos de programas. Preferem acreditar que tudo que de mau acontece não é responsabilidade do presidente. Aliás, chegam a crer que ele sequer sabe das maracutaias que todos os dias são denunciadas e enchem as páginas dos jornais e o noticiário das emissoras.

Como é comum nos Estados Unidos o público entender que América Latina é tudo a mesma coisa, ele adverte que não existe perigo de um movimento popular contra Lula e seu governo. Muito menos um golpe militar. Estes são expedientes bastante comuns nesta parte das Américas. Mas não no Brasil, onde a democracia, mesmo imperfeita, hoje funciona estribada em sólidos alicerces.

Pois tudo isso acaba de ser comprovado em uma pesquisa da Datafolha. Nela, Lula mantém aprovação após o caos aéreo e o acidente da TAM. A pesquisa mostra que 48% de 2.095 pessoas consultadas em 211 municípios de todas as regiões do País acham o governo bom ou ótimo. O mesmo índice levantado em março deste ano, antes do desastre com o Airbus da TAM. A queda de prestígio do governo se dá apenas entre os mais ricos e a classe média. Os que viajam de avião.

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Advertiu o brasilianista que o que vem acontecendo e que poderia estar desprestigiando o governo Lula tem feito com que se voltem contra ele apenas os ricos, que são uma pequena minoria, e a classe média. Esta, entretanto, é representativa, se não em número, pois nos últimos tempos vem se aproximando das camadas mais pobres da população, em termos de influência na opinião pública e na política. Isso pode levar a atual administração federal, a se repetirem os escândalos e retardar-se a solução de graves problemas como o do apagão aéreo e também o apagão rodoviário, a minar o seu atual prestígio. Irá até o fim o atual período de governo, mas enfrentará sérias dificuldades para eleger seus sucessores. Primeiro, porque até o momento não despontam nas hostes situacionistas nomes que possam mobilizar a opinião pública. Em segundo lugar, porque já está explícita a intenção do PMDB de apresentar nome de suas hostes à sucessão de Lula, o que não garante continuidade, pois o maior partido do governo mantém-se atrelado a Lula por motivos fisiológicos. Por último, porque o desgaste na parcela da opinião pública representada pela classe média tende a produzir um efeito retardado que irá deteriorar o prestígio atual do governo, já que ele se baseia em programas assistencialistas e não em realizações. E a classe média, aqui e em outros países, sempre foi a principal formadora da opinião pública.

Em conclusão, o governo Lula vai bem. Melhor do que a encomenda perante a maioria da opinião pública. Mas não há bem que sempre dure nem mal que nunca acabe.

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