Existem justas preocupações com a governabilidade, menos de dois meses de governo Lula. O presidente continua cheio de boa vontade, um estoque expressivo de prestígio, e muitas idéias para consertar o Brasil. Mas surgem contradições difíceis de serem suplantadas. E foram plantadas, reconheçamos, pelo próprio Lula e seus companheiros, em 23 anos de militância. Surge um governo de esquerda com uma política econômica que qualificava de neoliberal ou mesmo de direita. Política econômica já seguida por seu antecessor, que combateu. Mas aceita pelo mercado. Política que é uma imposição deste mundo global, que, gostemos ou não, somos incapazes de revogar. Talvez, e isto já foi tentado inclusive por FHC, modificar de forma a que atenda não exclusivamente aos ricos, mas também aos países em desenvolvimento e pobres.
Assim, perde o governo Lula a sua fantasia de esquerda, revoltando os grupos mais aguerridos, extremados e autênticos do próprio PT. Alguns dos que lutaram sempre ao lado de Lula, perfilhando as idéias de esquerda, inclusive no campo econômico, como José Genoíno e o próprio ministro da Fazenda, Antônio Palocci Filho, parece que caíram na realidade e estão procurando sustentar essa política por pragmatismo. Os grupos petistas mais extremados, à frente o deputado federal Babá e a senadora Heloísa Helena, além da deputada federal filha do ministro Tarso Genro, vêm criticando abertamente a política econômica do governo Lula.
Criou-se um impasse que tentam resolver com as velhas fórmulas da agremiação de Lula. Lei da mordaça, expulsão dos descontentes e até campanha de rua, passeatas e panfletagem nas portas das fábricas. Aliás, a panfletagem já foi começada pelo próprio presidente José Genoíno. A oposição discreta, quase adesista, do PFL, parece que acabou. O presidente do partido, senador Jorge Bornhausen, depois do episódio do grampo na Bahia, que é atribuído a Antônio Carlos Magalhães, não está poupando o governo Lula. Acusa-o de assumir sem soluções para os problemas brasileiros que sempre apontou.
A integração do PMDB à base parlamentar de sustentação do governo, mesmo quando admitida no papel, será sempre frágil. O entendimento estendeu-se com muitos sofrimentos para o estabelecimento do preço. As reformas que Lula pretende prioritárias, como a da Previdência e a tributária, mesmo que aplaudidas, estão plantando muitos inimigos. A criação do Conselho Econômico e Social, uma multidão de nada menos que 82 pessoas de expressão, muitas delas líderes de classes patronais e de empregados, desagradou a segmentos do Congresso Nacional, que se sentiram desprestigiados ou parcialmente substituídos em seu papel constitucional de legislar, inclusive sobre as reformas. A entrega, por Lula, antecipadamente, de uma listagem de idéias básicas para as reformas da Previdência e tributária aos governadores, e a discussão dos importantes temas com eles, antes de submetê-los primeiro ao conselho, também feriu suscetibilidades.
O funcionalismo se agita. Quer aumento de vencimentos muito acima do previsto pelo governo e não está aplaudindo a reforma da Previdência, na qual mais perderá que ganhará. E, finalmente, parece que o governo perde as bênçãos da CNBB, cujo presidente acaba de divulgar duras críticas à política econômica do governo petista.
Parece que é hora de tentar salvar a governabilidade.