Golpe de impunidade

Não bastasse a soma de preocupações que aflige a vida dos cidadãos, para grande parcela deles um fardo quase insuportável tal é a distância entre o padrão mínimo aceitável e os meios disponíveis para a aquisição dos benefícios sociais, a carga de barbaridades assomada aos ombros de pessoas convocadas a arcar com um fracasso que não lhes pertence acabou de ganhar novo ingrediente. Comenta-se em Brasília que mais de dez mil processos por improbidade administrativa, em larga escala motivados pela prática de corrupção com verbas públicas e recebimento de vantagens indevidas, caminham para a anulação, caso se concretize uma decisão em curso no Supremo Tribunal Federal (STF). Se a corte aprovar a medida, terão motivos para festejar com champanha, fogos de artifício e frouxos de riso muitos ex e atuais governadores, prefeitos, parlamentares federais, estaduais e municipais de todo o País.

Seria cômico se não fosse trágico e disso se deram conta a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) e o Conselho Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), entidades que resolveram entrar rijamente na luta contra a garantia de foro privilegiado a agentes públicos acusados de terem cometido, ou acobertado, atos ilícitos no exercício do cargo. O risco denunciado pelas entidades está no julgamento da Reclamação 2.138, enviada em agosto de 2002 ao STF pela Advocacia Geral da União (AGU), a pedido do então presidente Fernando Henrique Cardoso, recomendando que agentes públicos não sejam processados com base na Lei de Improbidade Administrativa.

Trocando em miúdos, se a mudança for aceita pelo Supremo, os virtuais ocupantes de cargos eletivos, ministros e secretários só poderiam responder por crime de responsabilidade, isto é, com a benfazeja coberta do foro privilegiado, em instâncias superiores. Presidente da República, ministros e parlamentares federais teriam assegurado o direito de ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal, governadores pelo Superior Tribunal de Justiça, deputados estaduais, prefeitos e vereadores pelos tribunais estaduais de Justiça.

De acordo com José Carlos Cosenzo, presidente do Conamp, em entrevista ao site ?Congresso em Foco?, aprovada a reclamação pelo STF, a sociedade será mais uma vez afligida por um golpe de impunidade, porquanto ?os políticos vão poder fazer o que quiserem sem dar satisfação a ninguém?. Governantes que respondem a processos por improbidade administrativa País afora, na prática, seriam anistiados. O exemplo mais gritante desse retrocesso, Cosenzo aponta nos ex-prefeitos paulistanos Paulo Maluf e Celso Pitta, que se fossem condenados em todas as ações por improbidade administrativa a que respondem seriam obrigados a restituir aos cofres públicos a astronômica cifra de R$ 19 bilhões.

Até agora, seis dos onze ministros do STF mostraram-se a favor da reclamação. Para que a matéria seja rejeitada, os demais magistrados devem emitir voto contrário e, por cima, convencer um colega a mudar de opinião. O assunto deverá ser resolvido até o final do ano, mas as perspectivas não são animadoras. A AMB e o Conamp iniciaram em Brasília uma série de eventos para reforçar a luta contra o indecoroso privilégio do foro especial, que o ministro Joaquim Barbosa, do STF, em bom momento inquinou de ?excrescência?. Uma luta dos homens de bem.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo