Gilson Dipp analisa aspectos da quebra do sigilo telefônico

Se no curso de uma escuta telefônica deferida para a apuração de crimes são descobertos outros delitos conexos, ainda que com previsão de pena mais branda, não se devem excluí-los da denúncia. A decisão unânime é da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mantendo entendimento do ministro Gilson Dipp, para quem não se pode aceitar a exclusão precipitada desses crimes pois cabe ao juiz avaliar se há provas e definir eventual condenação.

A questão foi definida em um recurso em que a defesa de Wilson Lopes e de Juarez, Isabel, Diones, Helton e Miriam Marin buscava reconhecer a ilegalidade e inconstitucionalidade das interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça Federal do Rio Grande do Sul para seus clientes, que estão sendo acusados de crimes contra a ordem tributária, a saúde pública, o sistema financeiro nacional, a economia popular (agiotagem), além da prática de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.

Segundo o processo, tudo começou com a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Assembléia Legislativa, em Porto Alegre, em razão da suspeita de que Juarez Marin e Wilson Lopes estariam envolvidos no crime organizado. Ambos seriam proprietários de uma grande rede de farmácias – Farmácias Econômica – com mais de 20 estabelecimentos e uma movimentação financeira variando de quatro a seis mi-lhões de reais por mês.

A investigação continuou na Polícia Federal, por meio de um procedimento criminal no qual foi deferida judicialmente a quebra do sigilo telefônico de 24 envolvidos na organização criminosa. Apurou-se que Juarez e Wilson, e alguns familiares de Marin, eram os verdadeiros donos de todos os estabelecimentos que compunham a rede. As pessoas físicas e jurídicas constantes dos contratos seriam meros “laranjas”, aparecendo para ocultar a organização criminosa e dificultar a apuração dos delitos dela decorrentes.

O relatório da Polícia Federal dá conta que chegaram ao conhecimento da Polícia Fazendária informações sobre prática, por parte das farmácias, de crimes como falsificação de remédios, roubo de cargas de medicamentos e sonegação fiscal. O relatório narra os indícios levantados junto à rede econômica. As investigações constataram a existência de uma conta bancária na Suíça em nome dos acusados, com depósitos de um milhão de dólares, além da venda de remédios proibidos, como abortivos.

Após dez meses de investigações, foi instaurada ação penal contra os seis acusados, e a denúncia foi recebida pelo juiz federal da cidade gaúcha de Canoas (RS). Eles impetraram pedido de habeas-corpus no Tribunal Regional Federal da Quarta Região, sediado em Porto Alegre, que, no entanto, manteve a legalidade da escuta telefônica.

O tribunal entendeu que se a interceptação foi feita pela autoridade judiciária de acordo com o que dispõe a Lei 9296/96, não poderá ser declarada nula, até porque foi renovada várias vezes por necessidade de se prosseguir nas investigações. Nem seria nula por ter apurado, junto com os crimes punidos com reclusão, aqueles puníveis com detenção (pena mais branda), “porque é impossível em escuta interceptada separar as conversas em razão de os fatos serem apenados de forma mais grave ou mais branda”. Para o TRF, os crimes dos quais eles são acusados se situam na chamada macrocriminalidade, cuja investigação passou a ser uma exigência da comunidade internacional e cuja interpretação das normas deve ser feita levando-se em conta essa “nova e preocupante realidade”.

No recurso ao STJ, a defesa alega ilegalidade quanto à duração da interceptação, que a autorização da escuta teria sido irregular pois feita antes de qualquer meio de prova; e não teria ficado comprovado ser indispensável como meio de prova. Sustenta, ainda, a ausência de transcrições das conversas interceptadas e que o Ministério Público não teve ciência das medidas investigatórias. Além disso, seria ilegal a gravação das conversas entre os acusados e seu advogado e inadmissível a interceptação telefônica para delitos punidos com detenção. Pretende com o recurso que, declarada a ilegalidade e a inconstitucionalidade da prova, ela seja desentranhada da ação penal. Dessa forma, pedem que seja declarada, em seguida, a nulidade da ação desde o início. Ou, como alternativa, que sejam consideradas ilegais e inconstitucionais as interceptações quanto aos crimes puníveis com detenção.

Renovação

O relator, ministro Gilson Dipp, manteve a validade do que foi apurado nas escutas telefônicas. Para ele, apesar de a interceptação não poder durar mais de quinze dias, ela pode ser renovada por igual período inúmeras vezes, pois a lei não restringe a quantidade de tal renovação.

O ministro afastou as alegações de que foi irregular a autorização da interceptação telefônica, antes da efetivação de qualquer outro meio de prova. Essas argumentavam que o juiz decretou a quebra do sigilo telefônico antes mesmo de qualquer outro meio de investigação ser efetivado pela autoridade policial, contrariando o artigo 2.º da Lei n.º 9296/96, que dispõe que “não será admitida a interceptação de interceptações telefônicas quando a prova puder ser feita por outros meios disponíveis”. Dipp lembrou que os autos mostram que a quebra do sigilo telefônico só ocorreu em 17/04/01 e foi precedida pelas investigações da CPI da Assembléia Legislativa, em julho de 2000 e que, documentos constantes nos autos dão conta que a polícia já havia realizado diligências, além do que havia sido apurado pela CPI.

Quanto à tese da defesa de que não foi comprovada ser indispensável à renovação dos grampos telefônicos, como meio de prova, o ministro Dipp disse que “a tal comprovação da indispensabilidade não pode ser apreciada na via do hábeas corpus”. E frisou que, como fora anteriormente ressaltado no processo, “a hipótese trata de crimes complexos, envolvendo, em princípio, organização criminosa bem estruturada, composta de vários integrantes e que se dedica à prática, em tese, de diversos crimes”.

A defesa dos indiciados sustenta ainda que, durante o período em que as interceptações foram feitas, a polícia enviava, geralmente quinzenalmente, relatório das escutas para a Justiça Federal, onde não constavam as transcrições das conversas interceptadas, violando dispositivos legais. O ministro Dipp rebateu o argumento destacando “que a Lei 9296/96 não determina que os diálogos gravados sejam transcritos em sua integralidade”. Mesmo assim, acrescenta o ministro, o juiz de primeiro grau informou que as transcrições foram realizadas na Polícia Federal e constam dos autos, constituindo-se na totalidade dos diálogos gravados nos CDs. E o ministro acrescentou: “Da mesma forma, a cada 15 dias eram trazidas informações para Polícia Federal, tendo sido trazidos os CDs ao final, assim como a integralidade das transcrições feitas. Com o fim do sigilo, a totalidade das gravações e transcrições foi colocada à disposição dos pacientes”.

A defesa alegou também que o Ministério Público não teria sido cientificado do curso das investigações. Mas o relator disse que, ao contrário, o “parquet” acompanhou todo o processo das investigações realizado pela Polícia Federal, tomando ciência, igualmente, da interceptação telefônica.

Para os defensores outra irregularidade que constaria do processo seria uma gravação de conversas entre os réus e o advogado, argumento que o ministro Gilson Dipp também rebateu, dizendo que não via aí, qualquer irregularidade flagrante. Ele destacou que, como devidamente informado juízo de primeiro grau o juiz, ao determinar a escuta telefônica, o faz com relação às pessoas envolvidas, referindo os números dos telefones, não cabendo à autoridade policial qualquer tipo de “filtragem”. O ministro prosseguiu dizendo que ao juiz cabe avaliar os diálogos que serão usados como prova, podendo determinar a destruição da prova se assim achar conveniente. E Dipp prosseguiu: “No caso, o que ficou evidenciado é que não foi determinada a quebra do sigilo do advogado, em nenhum momento. O que aconteceu foi que, em algumas interceptações, os investigados receberam ligações de Luiz Barbosa, que foram, de maneira automática, gravadas e transcritas”.

Uma das últimas alegações de irregularidades questionada pela defesa foi a que é inadmissível a interceptação telefônica para delitos com pena de detenção O ministro rebateu dizendo que “a maioria dos delitos supostamente elucidados durante as interceptações e que deram origem à ação penal instaurada contra os pacientes, são punidos com essa modalidade de pena privativa da liberdade”. Dipp continuou dizendo que, pelo exame do processo, fica constatado que a escuta foi determinada para a obtenção de provas relativas aos crimes punidos com reclusão e, como ressaltado pelo juiz de primeiro grau, se os acusados fizeram provas, nos outros crimes, não há motivo para a anulação de toda a escuta.

O ministro concluiu ao negar provimento que “por todo o exposto, tenho como lícita a interceptação telefônica deferida pela Autoridade Judicial, atendendo representação feita pela polícia, de maneira fundamentada e em observância às exigências legais”.

Processo: RHC 13274

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo