Getúlio Vargas e o Fascismo

Aos 8 de junho de 2003, o autor deste artigo publicava neste caderno Getúlio Vargas “pai” dos pobres. Mediante e-mails de estudantes, professores e de fiéis à doutrina de Vargas, o estudo é retomado com maior aprofundamento.

Nas definições de Norberto Bobbio e colaboradores (2000), o Fascismo é concebido como um sistema autoritário de dominação, que apresenta algumas características: um único partido de massa, que possui hierarquia organizada; uma ideologia assentada no culto do chefe, na exaltação da coletividade nacional, no desprezo aos valores do individualismo liberal e no ideal de colaboração de classes, em oposição frontal ao socialismo e ao comunismo, dentro de um sistema de tipo corporativo; aniquilamento das oposições mediante o uso da violência e do terror; um aparelho de propaganda baseado no controle das informações e dos meios de comunicação de massa; um crescente dirigismo estatal no âmbito de uma economia que continua a ser, fundamentalmente, de tipo privado; tentativa de integrar nas estruturas de controle do partido ou do Estado, de acordo com uma lógica totalitária, a totalidade das relações econômicas, sociais, políticas e culturais.

Partindo desses conceitos, constataram-se, em 1932, manifestações do Fascismo por meio da Ação Integralista Brasileira. De acordo com Cláudio Vicentino e Gianpaolo Dorigo (2001), seus integrantes rejeitavam a democracia liberal e propunham um governo autoritário, chefiado por um líder “inspirado”, que pudesse levar o país ao progresso. O comunismo também foi rejeitado, em grande parte pela crença fascista na desigualdade entre os homens.

O Integralismo de cunho nacionalista teve o intelectual Plínio Salgado na liderança. O nacionalismo tendia para a xenofobia, quando não para o racismo assumido. Vicentino e Dorigo (2001) explicam, que “a sociedade deveria ser organizada hierarquicamente, segundo princípios militares, e fundada na total disciplina de cada um de seus membros”. As exibições públicas, características dos movimentos fascistas, faziam parte do Integralismo, cujos membros uniformizados marchavam disciplinadamente, com exibição de cores, bandeiras e hinos. O símbolo que identificava o movimento era o sigma, pálida cópia da suástica nazista, e seus membros saudavam-se com um cumprimento indígena, “Anauê!”, tentativa de cópia do “Heil!” alemão.

Para Luiz Roberto Lopez (1983), a Ação Integralista Brasileira representou a expressão nacional do modelo fascista da Europa que dominava na época. Aliás, Getúlio Vargas se aliou a tecnocratas e burocratas com claras idéias fascistas, destacando: Filinto Muller, chefe de polícia getulista, e o jurista Francisco Campos, que redigiu a Constituição do Estado Novo. Além disso, Vargas substituiu, no comando do Exército, o General João Gomes pelos Generais Dutra e Góes Monteiro, defensores do autoritarismo. O Estado Novo correspondeu aos desejos do grupo técnico-militar que, no interior do Estado, defendia a instituição de um regime burocrático-repressivo capaz de realizar, no país, uma modernização conservadora, vertical.

Graciliano Ramos, Olga Benário Prestes e Antonio Gramsci – A repressão se caracterizou por humilhações e injustiças, como as que ocorreram com Olga Benário Prestes (1908-1942), esposa de Luiz Carlos Prestes (comunista), que foi deportada para a Alemanha de Hitler (carrasco), e com Graciliano Ramos (1892-1953), jornalista, escritor, político e autor da obra Memórias do Cárcere (experiência do cárcere por 11 meses). Luiz Costa Lima, em artigo à Folha de São Paulo, aos 9 de março de 2003, comentou: “O fracasso do levante comunista de fins de 1935, com as sublevações em Natal, no Recife e no Rio, justificaria a repressão movida por um governo Vargas então inclinado aos fascistas. Em março de 1936, o diretor da Imprensa Pública de Alagoas é demitido e, logo depois, preso. Inicia-se um período doloroso, incerto e decisivo na vida, até então mediocremente normal, de Graciliano Ramos. Que envolvimento teria ele com os perseguidos? Não era membro do Partido Comunista (a que só se filiaria em 1945); embora admirasse Prestes, dele pouco sabia, e sua conduta na cadeia o mostrava reticente quanto às decisões dos coletivos ou suspeitoso da maneira como eram elas alcançadas e logo desfeitas. Talvez o motivo de sua prisão tenham sido, como diria seu futuro advogado Sobral Pinto, seus romances; por certo, a denúncia, nestes momentos particularmente bem-vinda, de alguém que se julgara desfavorecido. (…) A polícia de Filinto Müller podia não ter requintes, mas sabia explorar sua bestialidade. A maneira mais incisiva de defini-la está nas palavras do guarda que recebe a leva em que Graciliano é trazido: `Aqui não há direito. Escutem. Quem foi grande esqueça-se disto. Aqui não há grandes. Tudo igual. Os que têm protetores ficam lá fora. Atenção. Vocês não vêm corrigir-se, estão ouvindo? Não vêm corrigir-se: vêm morrer’. (…) A `casa de correção’, em que completará 11 meses de prisão sem julgamento, é comparável ao `pavilhão dos primários’. Em troca, é aí que presenciará um dos fatos mais ignóbeis do governo Vargas: malgrado o protesto indignado dos presos, a entrega de Olga Prestes e Elisa Berger aos agentes da Gestapo [a polícia secreta nazista]. Pouco depois, Sobral Pinto, que já defendera Olga e Elisa, o tirará da prisão. Graciliano, conforme declara no início da obra, redigirá as Memórias do Cárcere dez anos depois de ser libertado”.

De forma parecida, na Itália fascista, Gramsci (1891-1937) também foi vítima do autoritarismo. Conforme Mario Alighiero Manacorda (2002), Gramsci, por ser contrário às práticas fascistas, o Fascismo deixou-o morrer na prisão. Escrevia seus Cadernos, “onde a reflexão pedagógico-política, que é predominante, recolhe os vários motivos da tradição liberal-democrática e da tradição socialista numa síntese crítica originalíssima”. Gramsci defendia a escola unitária: “Escola única inicial de cultura geral, humanística, formativa, que sabia dosar justamente o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades do trabalho intelectual. Deste tipo de escola única, através de experiências repetidas de orientação profissional, se passará para uma das escolas especializadas ou para o trabalho produtivo. (…) O advento da escola unitária significa o início de novas relações entre trabalho intelectual e trabalho industrial não somente na escola, mas em toda vida social. O princípio unitário se refletirá, portanto, em todos os organismos, de cultura, transformando-os e dando-lhes um novo conteúdo”. (Manacorda, 2002)

Educação e Legislação – Para o historiador Boris Fausto (2003), não houve Fascismo no Brasil, porém no decorrer da sua fala, se contradiz. No primeiro momento Fausto nega a influência fascista: “É costume apontar a inspiração fascista das iniciativas do governo Vargas na área educativa. Lembremos, porém, que nessa área, como em outras, o governo adotou uma postura autoritária e não-fascista”. Ou seja, o Estado tratou de organizar a educação de cima para baixo, mas sem envolver uma grande mobilização da sociedade; sem promover também uma formação escolar totalitária que abrangesse todos os aspectos do universo cultural. Mesmo no decurso da ditadura do Estado Novo, a educação esteve impregnada de uma mistura de valores hierárquicos, de conservadorismo nascido da influência católica, sem tomar a forma de uma doutrinação fascista.

No segundo momento Fausto confirma a influência fascista: A política trabalhista do Estado Novo pode ser vista sob dois aspectos: o das iniciativas materiais e o da criação da imagem de Getúlio Vargas como protetor dos trabalhadores. Quanto ao primeiro aspecto, o governo levou adiante e sistematizou práticas que vinham desde o início da década de 1930. “A legislação inspirou-se na Carta del Lavoro, vigente na Itália fascista”.

A educadora Maria Luisa Santos Ribeiro (2001) é incisiva ao apontar para o texto ideológico fascista de Gustavo Capanema, ministro de Educação do Estado Novo. Aos 9 de abril de 1942, foi decretada a Reforma Capanema: “O ensino secundário se destina à preparação das individualidades condutoras, isto é, dos homens que deverão assumir as responsabilidades maiores dentro da sociedade e da nação, dos homens portadores das concepções e atitudes espirituais que é preciso infundir nas massas, que é preciso tornar habituais entre o povo. (…) O estabelecimento de ensino secundário tomará o cuidado especial na educação moral e cívica de seus alunos, buscando neles formar, como base do patriotismo, a compreensão da continuidade histórica do povo brasileiro, de seus problemas e desígnios, de sua missão em meios aos povos (art. 22). (…) Deverão ser desenvolvidos, nos adolescentes, os elementos essenciais da moralidade: o espírito de disciplina, a dedicação aos ideais e a consciência da responsabilidade. Os responsáveis pela educação moral e cívica da adolescência terão ainda em mira que é finalidade do ensino secundário formar as individualidades condutoras, pelo que força desenvolver nos alunos a capacidade de iniciativa e de decisão e todos os atributos fortes da vontade”. (art. 32)

O texto de Capanema aponta claramente para a divisão de classes. Conclui Ribeiro (2001): existir a ocorrência da “discriminação, já constatada no texto constitucional de 1937, entre desfavorecidos e favorecidos. A `paz social’ seria conseguida pela formação eficiente da elite, que teria a função social de conduzir as massas, o povo passivo”.

Sem dúvida a prepotência de Getúlio Vargas durante os anos 1930-1945 está comprovada em documentos. E os resquícios dessas manifestações continuam presentes na educação e na política brasileira?

Indicações de leitura: Norberto Bobbio e colaboradores. Dicionário de Política. Brasília: UNB; Boris Fausto. História do Brasil. São Paulo: Edusp; Maria Luisa Santos Ribeiro. História da Educação Brasileira: A Organização Escolar. Campinas: Autores Associados; Graciliano Ramos. Memórias do Cárcere. Rio de Janeiro: Record. Luiz Roberto Lopez. História do Brasil Contemporâneo. Porto Alegre: Mercado Aberto.

Jorge Antônio de Queiroz e Silva

é professor, pesquisador, historiador. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná. E-mail:
queirozhistoria@terra.com.br

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