A recente e grave contaminação de importante segmento do sistema fluvial brasileiro, a partir do município mineiro de Uberaba, exige profunda reflexão sobre a segurança dos produtos que chegam ao consumidor, embora – sob o prisma da antropologia – esta seja uma questão crucial desde que o Homo sapiens começou a armazenar alimentos para consumo futuro. Sua importância, contudo, tem crescido à medida que se ampliam a capacidade produtiva das indústrias e os mercados atingidos por estas, bem como os riscos inerentes à ecologia. Além disso, o crescimento das alternativas para a aquisição de matérias-primas e de novas tecnologias de fabricação tem agregado mais complexidade ao controle dos produtos. Diante deste cenário, por exemplo, a contaminação de um dos insumos utilizados na plantação de determinado grão empregado na fabricação de um alimento industrializado, como pode acontecer num acidente ambiental como o do Triângulo Mineiro, pode atingir centenas e talvez milhares de consumidores.
O mesmo raciocínio aplica-se a medicamentos, cosméticos e produtos de higiene pessoal. Outros segmentos, como o de materiais de limpeza, brinquedos, veículos e equipamentos elétricos também mantêm grande preocupação com a segurança de seus produtos, ao investir cada vez mais em sistemas de qualidade. Isso significa, na prática, garantir que todos os produtos colocados no mercado estejam de acordo com as especificações para eles estabelecidas. Adicionalmente, as empresas vêm adotando procedimentos específicos para os casos de crise de produto, ou seja, quando há suspeita ou comprovação de um item em desacordo com as especificações, podendo pôr em risco os consumidores. Dependendo do problema identificado e de sua gravidade, a empresa pode adotar uma simples troca do produto, muitas vezes já na residência do consumidor, ou comunicar e providenciar o seu recolhimento imediato, chegando até a interdição dos produtos pelos órgãos de vigilância e controle.
Para facilitar a prevenção e a identificação da origem de um problema, agilizando sua solução, as empresas mantêm registros de todo o histórico de um produto, desde as matérias-primas, passando pelos processos e equipamentos utilizados em sua fabricação, até o seu armazenamento. Esses registros fornecem a base para o estabelecimento dos chamados sistemas de rastreabilidade, que se têm mostrado fundamentais, em especial nos casos em que o impacto causado por incidentes envolvendo a segurança, além dos danos à saúde dos consumidores, pode comprometer a confiança da população nos produtos, nas marcas, nos órgãos de fiscalização e nas empresas.
Em síntese, os sistemas de rastreabilidade são imprescindíveis nas cadeias de suprimentos atuais. Os dados da distribuição dos produtos fabricados também permitem que sejam identificadas as localizações exatas dos estoques ainda existentes na origem (indústria, frigoríficos, etc.), na rede de distribuição e até mesmo em poder dos consumidores. Essas informações são necessárias para o rápido e eficiente recolhimento dos produtos, em caso de crise. O tema da segurança de produtos também é objeto de atenção dos órgãos de controle e das próprias indústrias. Indicadores desse fato são a regulamentação específica para o chamado “recall” e as normas que estabelecem a rastreabilidade como requisito para a comercialização.
Embora a rastreabilidade ainda não seja uma exigência formal de alguns segmentos específicos, algumas empresas vêm investindo nessa ferramenta como parte de sua estratégia de mercado. Em nosso País, a EAN Brasil, entidade multissetorial, sem fins lucrativos, está dedicada a disseminar a automação nas cadeias de suprimentos. A entidade tem participação ativa nos diversos fóruns de discussão e projetos desenvolvidos pelas principais instituições mundiais relacionadas à segurança de produtos, como os comitês específicos da ONU e da Comunidade Européia. Estes, de maneira geral, recomendam para as aplicações de rastreabilidade o emprego dos padrões do Sistema EAN.UCC.
Além dos motivos técnicos, três argumentos justificam plenamente a utilização de sistemas de rastreabilidade. O primeiro é que seu emprego é um valor agregado e recurso de diferenciação do produto, por meio da certificação de origem e rotulagem. Exemplo clássico é a rotulagem do vinho, na qual consta a certificação de origem, processamento e identificação da safra. O segundo argumento diz respeito à proteção às exportações, por meio de informações e respostas precisas e rápidas aos freqüentes questionamentos sobre as condições de manufatura e distribuição em toda a cadeia produtiva, sabendo-se que meras desconfianças podem levar ao cancelamento de muitos contratos e, evidentemente, dificultar o fechamento de outros. O terceiro e indefectível argumento é a relação de confiança que todas as empresas devem manter com os consumidores, cada vez mais conscientes de seus direitos e prerrogativas, exigentes e predispostos a reconhecer e valorizar a postura das organizações que o respeitam como cidadão.
Ricardo Yugue é assessor de Soluções de Negócios da EAN Brasil.