É preciso repensar sobre a constitucionalidade do artigo 4.º e parágrafo único da Lei n.º 7.492/86.
O artigo 4.º da Lei n.º 7.492/86 prevê o crime de gestão fraudulenta e no parágrafo único a gestão temerária de instituição financeira, utilizando apenas o verbo gerir seguido dos adjetivos fraudulenta e temerária. Tem-se entendido que gerir tem o sentido de administrar, dirigir, decidir e gerenciar. Observa-se que de forma isolada é aceitável essa definição, entretanto, quando a análise versa sobre a gestão fraudulenta ou gestão temerária, crime apenado com pena privativa de liberdade cominada com até 12 anos de reclusão e multa, não é tão simples estabelecer uma definição isenta de críticas, isto pois a lei nem ao menos indica o que deva se entender por gestão fraudulenta ou temerária de instituição financeira, a ponto de afirmar-se que o tipo não descreve a conduta incriminada, pois não há no texto normativo, quais os comportamentos humanos que caracterizam a gestão fraudulenta, e, principalmente, a gestão temerária, resultando em absoluta violação ao princípio da legalidade, em um dos seus corolários que a taxatividade do tipo penal(1). Disso resulta que ?a valoração do juiz é que ditará o conteúdo do tipo, sendo impossível realizar um julgamento sem a interferência da discrição judicial?,(2) isto significa que o legislador transferiu para o juiz a tarefa de estabelecer o conteúdo da norma, o que se traduz em transparente e inexorável insegurança jurídica.
Portanto, a descrição típica do artigo 4.º e parágrafo único da Lei n.º 7.492/86 deixa muito a desejar, restando sérios prejuízos ao princípio da legalidade, precisamente ao postulado da determinação taxativa que expressa a exigência de que as leis penais, especialmente as de natureza incriminadora, sejam claras, certas e precisas. Essa exigência de clareza exigida dos tipos é necessária ?para que a lei penal possa desempenhar função pedagógica e motivar o comportamento humano?.(3)
Conclui-se que o artigo 4.º e parágrafo único da Lei n.º 7.492/86 é inconstitucional e deve urgentemente sofrer retificação, não se podendo contemporizar com outro entendimento, nem mesmo a pretexto, e com louvável motivo, de ?possibilitar a punição dos chamados criminosos do colarinho branco?,(4) pois a violação de um princípio constitucional, além de gerar a insegurança jurídica depõe contra a manutenção do sagrado Estado democrático de direito.
Notas:
(1) COSTA JR. Paulo José; QUEIJO, M. Elizabeth; MACHADO, Charles M. Crimes do colarinho branco. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 79; Nesse sentido João Marcelo de Araújo Jr. ?A lei atual, numa flagrante violação ao princípio da reserva, estatui em seu art. 4.º um tipo aberto, uma vez que se limita a estabelecer ?gerir fraudulentamente instituição financeira? (Dos crimes contra a ordem econômica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 154.
(2)REALE JÚNIOR, Miguel. Problemas penais concretos. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 14.
(3) TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de Direito Penal. 4.ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 29.
(4) FRANCO, Alberto Silva et alli. Leis Penais Especiais e sua interpretação jurisprudencial. 6.ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 541.
Paulo Cezar da Silva é delegado de Polícia, mestre em Direito Penal pela Universidade Estadual de Maringá. Professor de Direito Penal e Processual no Curso de Graduação da Universidade Paranaense de Paranavaí e das Faculdades Nobel de Maringá e coordenador do Curso de Especialização em Direito e Processo Penal da Unipar de Paranavaí.