Brasília – O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, bateu duro nos subsídios agrícolas pagos pela Europa, durante jantar na Embaixada da França em Brasília. Falando para uma platéia de cerca de 50 pessoas, na maioria dirigentes de grandes empresas francesas com representação no Brasil, Furlan chamou o sistema de subsídios de "medieval" e "retrógrado". "Digam aos seus negociadores na União Européia que é insustentável o subsídio concedido aos produtores agrícolas", pediu.
Os empresários, que mantinham um clima descontraído no encontro, riram. "Não riam, porque é sério", disse Furlan, sem alterar o tom de voz. "Vocês sabem que não existe mais uma Europa pós-guerra." "O presidente Lula é um agente de mudanças e eu espero que o próximo presidente da França também seja um agente de mudanças, que pense o século 21 como uma nova economia e não como era na década de 50", completou. Um silêncio constrangedor encheu a sala que só foi quebrado com o aviso do embaixador Jean de Gliniasty de que o jantar seria servido.
O apelo de Furlan dividiu a opinião dos empresários em duas vertentes. Em conversas paralelas durante o jantar, houve os que defenderam os subsídios como forma de atingir a auto-suficiência alimentar como prevenção a eventuais emergências, como um ataque terrorista. Outros, embora concordassem com a tese dos primeiros argumentavam que os subsídios agrícolas não poderiam ser estendidos aos produtos destinados ao mercado externo.
O jantar foi oferecido pela Câmara de Comércio Empresarial da França, que se reúne quatro vezes por ano e tem como costume convidar autoridades para ouvir e responder as preocupações dos 35 empresários que a compõe. O embaixador da França, após servido o jantar, aceitou a provocação inicial de Furlan e afirmou que a Europa já tomou uma decisão de acabar com os subsídios "distorcidos". Mas, disse o embaixador, trata-se de uma questão complexa porque, sem subsídios, as ex-colônias européias na África, Ásia e Caribe (o chamado ACP) teriam dificuldades. Sem se intimidar, embora sempre cordial, Furlan sustentou que o programa de ajuda dos europeus a suas ex-colônias, ao contrário de ajudar, perpetua o atraso econômico daqueles países.
Ele desafiou os anfitriões a apontarem uma única ex-colônia que tenha saído da pobreza graças a esses programas. "Os ACPs são pobres e continuam pobres porque esse sistema não os tira da pobreza", disse o ministro. Furlan convidou o governo francês e os empresários que participavam do jantar a fazer parcerias para o desenvolvimento de países mais pobres. "Há uma distância imensa entre o discurso e a ação. Esses países precisam de capacitação de pessoal, de investimentos que façam movimentar a economia local", completou. "A Europa despeja produtos subsidiados, como carne e manteiga, que beneficiam grandes grupos empresariais mas quando despejam seus produtos liquidam com a economia local."
Furlan criticou ainda a falta de resultados das rodadas de negociação para a criação de um acordo de livre comércio entre União Européia e Mercosul e no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC). "Quando as cortinas se fecham fica-se esperando a próxima reunião plenária para se falar da mesma coisa. E as coisas não acontecem", disse. "Se quiserem resolver os problemas o Brasil é parte da solução. Não somos parte do problema", completou.
Em vários momentos, o ministro disse haver uma distância enorme entre o discurso e a ação. Lembrou que, a poucos dias da próxima reunião ministerial da rodada Doha (OMC), que acontecerá em Hong Kong, ainda não há resultados práticos. "Não me atrai o discurso e a política mas me atrai realizar ações acalentadas por muito tempo e não realizadas", disse Furlan. O embaixador francês argumentou que o "coração" das discussões na OMC será como resolver o problema causado por excesso de mercados.
Coube ao presidente do conselho empresarial, François Dossa, tentar mudar o rumo das discussões e quebrar o desconforto gerado. Ele perguntou ao ministro como os empresários poderiam explicar às suas matrizes um crescimento de 2,5% da economia brasileira enquanto que países como China e Índia vão crescer a níveis muito mais elevados este ano. Furlan novamente não titubeou: "Empresarialmente, é muito simples. É só ver quanto cresceu sua empresa – duas, três, quatro vezes mais."
Furlan desafiou os empresários a citarem uma empresa que lucra mais na China que no Brasil. "O seu investimento tem taxa de retorno no Brasil melhor ou pior que em outro país adiantado?", questionou o ministro.
As discussões retornaram às negociações internacionais quando um empresário pediu a Furlan para comentar o processo de consolidação do Mercosul. O ministro lamentou o fato de União Européia e Mercosul terem adiado as negociações para um acordo de livre comércio aguardando o resultado das reuniões em Hong-Kong. "Seria bom para o mundo um acordo entre as duas regiões. De um lado um mercado insaturado como o Mercosul e de outro uma região como a Europa que é exportadora líquida de investimentos", defendeu.
O ministro disse que o Brasil está disposto a melhorar suas ofertas em áreas de interesse da Europa como serviços e denominação de origem. "Mas se não houver reciprocidade, algo equivalente economicamente, não faz sentido o Brasil fazer uma abertura unilateral gratuita", avisou. Ele argumentou que um acordo com a EU ajudaria na consolidação do bloco sul-americano e no rebalanceamento das relações dos países dominantes. "Estamos prontos para uma abertura econômica mais profunda", afirmou.
Ao final do jantar, os empresários se disseram satisfeitos com o debate e não se mostraram surpresos com o tom assertivo do ministro. Eles argumentaram que, em outros encontros, Furlan sempre deixou muito clara a sua posição. Os empresários disseram gostar do tom pragmático do ministro e da sua visão empresarial.