Cheguei a escrever contra as leis de cotas que surgem por toda parte:  cotas raciais, cotas para gêneros (antes era sexo e a gente gostava, agora virou gênero, um negócio que transforma o sexo em salada de chuchu) e até cotas para egressos de escolas públicas. Meu último argumento em contrário foi achado enquanto pesquisava na Internet, em vários idiomas, sobre a tal “discriminação positiva” que deu origem às leis de cotas. Descobri que positive discrimination ganhava disparado em volume de registros. Aleguei, então, que sendo coisa de norte-americano, gente rica, ruim e indiferente aos males alheios, só podia ter sido concebida para ferrar o povão. Tudo inútil.

Retomo o assunto, agora, para confessar aos leitores que passei da resignação à concordância. É isso aí mesmo: fui cooptado. Estou convencido de que, por paradoxal que se afigure, só se resolve o problema da desigualdade acabando com a igualdade. Mérito e aptidão são critérios socialmente perniciosos e moralmente inaceitáveis. Aderi à positive discrimination. Se é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil. E virei militante. Já que é para ser assim, que seja para valer. Nada de fazer meia justiça porque meia justiça é como meia furada: faz bolha no calcanhar da história e impede a marcha em direção à igualdade por força de lei. Por isso, estou sugerindo ao governo do presidente Lula e aos nossos legisladores um amplo conjunto de novas e indispensáveis cotas a serem criadas para acabar com outras desigualdades que vejo por aí.

Não é justo que gagos e fanhas sejam liminarmente banidos dos microfones e lentes das emissoras de rádio e TV. Ou que só os privilegiados pela deusa da beleza possam ser galãs de novela e se enroscar na Juliana Paes. Nem que apenas homens com volumosas cabeleiras ganhem dinheiro fazendo propaganda de shampoo. Se também lavamos a cabeça e podemos enriquecer a indústria devemos ter acesso aos ganhos da publicidade. Quero cotas para feios, fanhas, gagos e carecas! E quero cotas para anões nas Forças Armadas, para obesos como jóqueis, para deficientes auditivos nas orquestras e bandas, para presidiários nas agências bancárias, para jovens brancos de classe média nas universidades, para parentes nos cargos públicos (Brasília já tem) e para gente competente no governo (Brasília não tem).

Por fim, depois de ler e ouvir tanta piada de loira, percebo que também elas estão sendo vítimas de odiosa discriminação negativa. Quero cota para loiras.

Percival Puggina  é Arquiteto, político, escritor e presidente da Fundação Tarso Dutra de Estudos Políticos e Administração Pública.

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