Carlos Libânio Christo, o Frei Beto, frade dominicano conhecido nacionalmente, foi um dos líderes do Fome Zero, principal programa social do primeiro governo do presidente Lula. Por dois anos, foi assessor especial da Presidência e coordenou a mobilização social para o programa. Homem de esquerda, teólogo e escritor, esteve preso durante a ditadura militar. Entre as acusações que lhe faziam estava a de apoiar guerrilheiros como Carlos Marighella.
Em 2004 Frei Beto deixou o governo por discordar dos rumos da política econômica. Também criticou a burocracia que emperrava o desenrolar dos programas sociais. Já fora do governo, o sacerdote e militante político de esquerda sentiu que o Fome Zero perdia o lugar de ?carro-chefe? dos programas sociais para o Bolsa-Família. Este programa acaba de completar quatro anos de existência, o que foi comemorado pelo governo Lula.
Em entrevista que deu à UOL, Frei Beto lamenta a substituição de um programa emancipatório, como o Fome Zero, por um assistencialista que é o Bolsa Família. Ele pede reformas estruturais para que o Brasil alcance a ?democracia econômica?.
Tudo acontece quando o governo estende os benefícios do Bolsa Família para os jovens de até 17 anos, somando assim milhões de eleitores em potencial àqueles que, beneficiados pelo programa assistencialista, passam a figurar no contingente da população que poderá votar nos candidatos do governo neste ano eleitoral em que serão eleitos prefeitos e brevemente, na sucessão presidencial.
Esta decisão do governo federal já está sendo contestada não só pelas lideranças da oposição, como pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Marco Aurélio de Mello. Argumentam que em ano eleitoral o aumento da clientela do programa é vedado pela Constituição.
O presidente do TSE, por levantar a inconstitucionalidade da decisão governamental, está sendo interpelado judicialmente pelo PT e considera-se vítima de uma tentativa de silenciar a verdade e obstaculizar a livre expressão de seu pensamento.
Frei Beto, do alto de sua autoridade de um dos pais do Fome Zero, entende que o governo tem razões para comemorar o Bolsa Família não só por ser o maior programa de distribuição de renda existente no brasil. Também por ser a maior usina de votos favoráveis ao governo.
?Espero, entretanto, que o resgate de uma importante medida do Fome Zero estabelecer prazo para as famílias se emanciparem do programa venha a imprimir ao Bolsa Família um caráter mais educativo, de promoção cidadã. É preciso que os beneficiários produzam sua própria renda, sem depender do poder público nem correr o risco de retornar à miséria?, disse o sacerdote. A certa altura da entrevista, Frei Beto disse com todas as letras: ?É claro: o governo já iniciou sua campanha pelas eleições municipais?.
O questionamento dos programas sociais do governo devem ser feitos, como agora, em razão de sua tempestividade. É evidente que não podem ser usados como instrumento de captação de votos em anos de eleições. A exegese das pesquisas de opinião pública deixam bem claro que é nas camadas da população beneficiárias desses programas que se concentra a maior parte do eleitorado favorável ao governo. Uma espécie de dá aqui, toma lá, não muito distinto de compra de votos. Só que pelo atacado e com dinheiro da sociedade.
Isso não afasta de todo o mérito de implantarem no Brasil programas sociais para socorrer os desassistidos, que se contam aos milhões. Mas tem razão Frei Beto quando propugna por programas emancipatórios e não assistencialistas. Por muito tempo e ainda hoje os movimentos populares e as esquerdas criticaram a elite burguesa do País, enquanto dominava o mundo político, por não se interessar pela emancipação dos pobres, pois assim perderiam um eleitorado cativo. O mesmo faz agora o governo populista ao manter programas assistencialistas, sem um horizonte de reintegração das massas menos favorecidas no mercado de trabalho e participação na vida econômica da Nação.