“Foz do Iguassu” é inconstitucional

Se Foz do Iguaçu não fosse o que é para todos os brasileiros, especialmente para os paranaenses que aqui vivem, talvez a mudança da grafia "Iguaçu" para "Iguassu" não despertasse tanta atenção. Integrando o patrimônio natural do país e, ao que parece, pelo menos o Parque Nacional é considerado patrimônio natural da humanidade. A mudança, além de absolutamente desnecessária, afronta o dever constitucional de preservá-lo.

Primeiramente, a grafia "Iguassu" não existe no vernáculo. Iguaçu significa "água grande", em tupi-guarani. E "Iguassu" significará o quê? Então, New York vai mudar para Nova Iorque porque o turismo de lá é muito explorado por brasileiros. Ou Miami vai virar Maiami. Ou, ainda, o Brasil vai virar Brazil, lembrando aqui a canção de Aldir Blanc e Maurício Tapajós, cantada por Elis. Ora, a mudança me parece sem propósito, por mais respeitáveis que sejam as justificativas com relação ao turismo. Os estrangeiros que vêm pra cá que se adaptem. Agora, querer mudar a natureza das coisas…

Ingressando na seara da inconstitucionalidade da lei "iguassuense", podemos suscitá-la sob três enfoques: a) é dever do Município preservar o patrimônio histórico e cultural; b) princípio da razoabilidade (excesso de poder legislativo) e c) usurpação de competência legislativa.

Quanto ao primeiro enfoque, o artigo 23, III da Constituição Federal diz que é dever do Município "proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural (…)". O inciso IV do mesmo dispositivo impõe ao Município o dever de "impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico e cultural".

A mudança da grafia do nome de Foz do Iguaçu vai na contramão do que manda a Constituição Federal. O nome do Município é um bem histórico e cultural, ainda que de natureza imaterial, que há de ser preservado.

Num segundo momento, a doutrina e a jurisprudência modernas muito têm propalado sobre a inconstitucionalidade das leis irrazoáveis, ou seja, as leis editadas com o que a doutrina denomina de excesso de poder legislativo. São as leis absurdas (no sentido técnico-jurídico da expressão, sem qualquer finalidade depreciativa), leis que querem mudar a natureza das coisas. Leis que dizem que pau não é pau; que pau é pedra, não é pau.

Poder-se-á dizer que, tratando-se de nome próprio, pode-se escrever como queira. Será?

Nenhum cartorário, hoje em dia, vai escrever Nerço para o registro do filho cujo pai pretende que assim o seja. Ele vai registrar Nelson.

Com as escusas do exemplo absurdo, apenas ilustrativo e sem qualquer intenção depreciativa, a lei que manda escrever com "ss" o que se escreve com "ç" será uma lei razoável?

Não, certamente.

Pois bem, sem embargo do respeito aos motivos que levaram o legislador "iguassuense" a editar a lei, grafando Iguaçu com "ss", ela é absurda (no sentido técnico-jurídico) na medida que adota uma grafia que não existe no vocabulário brasileiro. Portanto, neste caso, a lei fere o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade, incidindo o legislador no que a moderna doutrina e jurisprudência chamam de excesso de poder legislativo.

O terceiro vício que se impõe reconhecer na lei "iguassuense" é a usurpação de competência do Estado na denominação do Município. Ainda que se saiba claramente que compete ao Município legislar sobre interesse local, essa autonomia sofre limitação pela própria Constituição Federal.

Ora, a Carta Magna Nacional diz que os Municípios serão criados por lei estadual. E quem cria o Município, dá-lhe o nome. Por decorrência lógica, só quem cria o Município é que pode modificar-lhe o nome originalmente dado.

O Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de analisar a matéria, assinalando:

"MUNICÍPIO. NOME. A ALTERAÇÃO DO NOME DOS MUNICIPIOS, DE COMPETÊNCIA DO ESTADO-MEMBRO, NÃO ESTÁ SUJEITA AOS REQUISITOS DO ART. 14, CAPUT,DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NÃO É INCONSTITUCIONAL A LEGISLAÇÃO ESTADUAL QUE PREVÊ CONSULTA PLEBISCITÁRIA PARA ESSE FIM." (RMS n.º 946 mudança do nome do município de Campo Real-RS para "Não-Me-Toque" a questão aqui era bem mais dramática).

Assim, parece-nos que a Câmara Municipal não tem competência para modificar o nome do Município – ainda que se pretenda, apenas, mudar-lhe a grafia, mas, mesmo assim, a competência seria da Assembléia Legislativa – , por mais que a matéria tenha a enganosa aparência de assunto de interesse local. Acrescente-se que mudança de grafia altera o sentido etmológico da expressão. Então, o nome não é mais "água grande", na expressão tupi-guarani. É outra coisa. Logo, é mudança de nome mesmo.

Sem embargo do respeito às opiniões eventualmente em contrário, a alteração do nome do Município de Foz do Iguaçu ou de sua grafia, como se pretende, só pode ser feita por lei estadual, mediante representação do Município junto à Assembléia Legislativa do Estado. E, ainda, ao que parece, mediante plebiscito, como ocorreu na mudança do nome do Município de Piçarras-SC para Balneário Piçarras no ano passado. E lá, diga-se, o resultado foi muito equilibrado: apenas cerca de trezentos votos a mais, favoráveis à mudança.

Em que pese discordar da mudança e colocando de lado o princípio da proporcionalidade já aqui suscitado, só a Assembléia Legislativa estadual tem competência em relação à matéria.

Portanto, com todo o respeito que a Câmara e os Vereadores de Foz do Iguaçu merecem o mesmo se diga quanto aos motivos da lei -, a mudança da grafia do nome da cidade mediante lei municipal é inconstitucional.

Por outro lado, não vejo nenhuma necessidade da mudança para os objetivos que se pretendem alcançar. Alega-se que nos idiomas estrangeiros (menos o português, é lógico) o "ç" não existe, dificultando divulgar o nome da cidade no cenário turístico internacional.

Ora, neste caso, o Município poderia adotar o nome fantasia Foz do Iguassu para as campanhas publicitárias de alcance internacional. Neste caso, ainda que desnecessariamente, a Câmara poderia editar lei nesse sentido autorizando o Município a adotar a grafia alternativa nas campanhas institucionais de marketing internacional. É o que basta, sem se sacrificar a história e a cultura do Município.

Vergílio Mariano de Lima é advogado em Toledo-Pr, com militância na área do Direito Público.

Frederico A. O. de Lima é bacharel em Direito pela UEL.

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