Forte ou vulnerável

As coisas mudam de acordo com a ótica do observador. O Brasil, para o presidente Lula e demais componentes do governo, é um país blindado pelo sucesso. Um dia depois do anúncio de que a economia brasileira só cresceu míseros 2,9% em 2006, muito abaixo da média mundial de 5,1% e da média dos países emergentes, que foi de 6,5%, o presidente disse que não vai mudar o comando da economia. E acrescentou de peito estufado: ?A área econômica está blindada pelo sucesso?. Enquanto os analistas sérios ou pelo menos mais severos do que os condescendentes com o evidente fracasso no crescimento viram nisso um fato desalentador, o governo preferiu comemorar outro número da economia: as reservas internacionais superaram US$ 100 bilhões, um recorde.

Isso lembra aquela brincadeira do binóculo. Utilizado da forma correta, faz com que uma lagartixa pareça um jacaré. Mas basta virar o binóculo e olhar do lado contrário e o jacaré parece uma minúscula e inocente lagartixa.

Lula contou que certa vez, em visita à Índia, ouviu a notícia de que aquele país, também considerado em desenvolvimento, um misto de extrema miséria e primeiro mundo (não muito diferente do Brasil), chegara a acumular reservas internacionais de US$ 100 bilhões. E que ele pensou com seus botões: ?Um dia chegaremos lá?. E chegamos, só que a Índia teve no ano passado um crescimento do PIB de 10%. E nós, apenas 2,9%. Considerado o crescimento vegetativo da população e de nossas carências, ficamos do mesmo tamanho.

Precisamos garimpar os números positivos e os sinais de melhoras que possam instilar algum sentimento de otimismo em nossa gente, já que dispensável nos governantes que sempre acham que as coisas vão às mil maravilhas. O otimismo, desde que não seja euforia insana, pode ajudar a melhorar as coisas. Mas precisa ter bases sólidas ou, se não tanto, significarem uma aposta num progresso possível e a caminho. Um relatório da consultoria britânica Economist Intelligence Unit (EIU), uma entidade especializada e, ao que se saiba, isenta, diz que ?o mundo está entrando em uma nova fase de turbulência, e a América Latina está particularmente vulnerável a ela?. É um trabalho sobre toda a região e, portanto, o Brasil está incluído na previsão menos otimista. Diríamos realista. O documento afirma que ?a grande necessidade de financiamento, motivado pela necessidade de rolar dívidas externas substanciais, permanece uma preocupação?.

?Em alguns países, o populismo e o nacionalismo são crescentes e devem desacelerar o volume de investimento nos mercados afetados?, afirma o relatório, numa evidente referência à Venezuela e à Bolívia. A consultoria britânica considera que a instabilidade está sendo comprovada com a reação das principais bolsas de valores do mundo às quedas ocorridas nos mercados acionários da China e dos Estados Unidos. Esses dois países são apontados como os dois principais motores econômicos do planeta e seus desequilíbrios podem afetar a economia global. Nos Estados Unidos, a desaceleração econômica causa impacto na América Latina. O que acontece na China também nos afeta, pois aquele país asiático, campeão em crescimento econômico, é grande consumidor de diversas commodities, como minério de ferro e soja produzidos pelo Brasil. A mesma consultoria felizmente descarta uma crise nas proporções da verificada em 1997.

Desequilíbrios que existiam no passado não mais existem. Muitos países latino-americanos registraram fortes superávits comerciais, reduzindo assim suas necessidades de financiamentos. Seria o nosso caso. Em suma: não dá para sair por aí às gargalhadas nem debruçando-se em lágrimas. Há perigos e há possibilidades de salvação. Vamos ver se o tal do Programa de Aceleração do Crescimento resolve o dilema entre sermos fortes ou vulneráveis.

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