É inegável a importância da China no contexto do comércio internacional contemporâneo. Em que pese essa verdade, é igualmente fato que as indústrias atuantes no segmento da inovação desenvolvem com cautela suas atividades empreendedoras no país.
Isso porque o foco da indústria da inovação é, naturalmente, a concepção de tecnologia e do conhecimento no estado da arte. Assim, na ausência de um sistema seguro de propriedade intelectual que garanta a proteção necessária à inovação, o seu desenvolvimento fica substancialmente prejudicado.
Como conseqüência, empreendimentos na área do entretenimento, bem como aqueles envolvendo alta complexidade tecnológica, tais como as indústrias alimentícias, biotecnológicas e farmacêuticas acabam reduzindo o grau de investimento em inovação local, bem como não aproveitam o enorme potencial daquele que é um dos maiores mercados consumidores mundiais. Ainda, em ano no qual a China recepcionará as Olimpíadas, é de se esperar especial preocupação por parte de detentores de direitos imateriais, que ativarão a indústria do merchandising e do licenciamento, alvos usuais de violações.
Contudo, os anúncios feitos na China, na última semana do mês de fevereiro, durante conferência local sobre Direitos de Propriedade Intelectual (DPIs), podem editar um novo capítulo nessa relação. Entre as promessas de mudança no cenário normativo dos DPIs duas merecem comentários: a publicação, em 2008, da tão planejada estratégia chinesa de proteção aos DPIs e a evolução e consolidação do entendimento judiciário local sobre a temática.
A estratégia chinesa de proteção aos DPIs poderia ser equiparada ao nosso Projeto de Aceleração do Crescimento, no qual o Governo estabelece metas, define objetivos e determina ações. A estratégia, que começou a ser mapeada, em 2005, terá como objetivo atingir metas de aprimorar os sistemas de proteção de DPIs, notadamente o sistema da propriedade industrial, o fortalecimento dos níveis de fiscalização e aplicação de leis relacionadas aos DPIs e, especialmente, ampliar o grau de conhecimento da população local acerca da importância dos DPIs para a evolução social, científica e tecnológica do país.
A consolidação da estratégia chinesa de proteção aos DPIs deve ser respeitada na medida em que atenderá anseios internacionais, que exigiam a harmonização das normas locais com padrões normativos globais. Vale ressaltar, contudo, que a evolução do sistema normativo chinês atinente aos DPIs não é derivada, exclusivamente, de apelos externos, mas sim, especialmente, da necessidade chinesa de proteger os DPIs internos, derivados do conhecimento concebido localmente.
Neste sentido, cabe relembrar que foi a China que surpreendeu o mundo ao encabeçar a lista dos países que teve o maior salto no número de patentes depositadas. A lista, elaborada e divulgada em 2007 pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual, indica que a China teve um crescimento próximo dos 40% no número de patentes depositadas no ano de 2007, em comparação ao ano anterior. Enquanto isso, outros Estados inovadores tiveram crescimento consistente, mas tímidos, quase que não atingindo os dois dígitos.
De mesma importância, cabe notar as propostas de avanço do Poder Judiciário chinês na aplicação de normas relacionadas aos DPIs, incluindo, especialmente, no que tange às penalidades e indenizações decorrentes da violação de DPIs.
Desde a adesão da China à Organização Mundial do Comércio, em 2001, o número de ações relacionadas à violação de DPIs tem crescido de forma vertiginosa. Enquanto no ano da adesão poucos casos relacionados à temática estavam em andamento, mais de 500 estão sendo avaliados, de acordo com dados do website oficial China.org. Conseqüentemente, os recentes anúncios buscam permitir que o entendimento judiciário sobre DPIs cresça igualmente de forma exponencial.
Como corolário da proposta de evolução judiciária, destaca-se a chamada doutrina da compensação integral, nome sob a qual foi anunciada, durante o mesmo evento relacionado aos DPIs, a recomendação da Suprema Corte chinesa para que casos envolvendo DPIs sejam analisados com a distinção que lhes é peculiar, com emprego de métodos sofisticados para o estabelecimento de indenizações em casos de violação de DPIs que possam, de fato, recompensar o titular violado e, em acréscimo, punir o violador. Que se note que a simplicidade com a qual as Cortes locais avaliavam casos envolvendo DPIs era, naturalmente, das grandes críticas dos detentores de DPIs.
Os anúncios sumarizados acima são motivo de contentamento, ainda que contido, na medida em que ações são necessárias para que as promessas sejam cumpridas. Contudo, as evoluções normativas e comportamentais podem significar o prenuncio de tempos mais seguros aos detentores de DPIs.
Que a disciplina chinesa se aplique igualmente à observância dos DPIs…
Benny Spiewak é advogado do KLA – Koury Lopes Advogados. bspiewak@klalaw.com.br