O presidente Lula surpreendeu a quantos ouviram suas declarações a emissoras de rádio, quinta-feira última, defendendo o foro privilegiado para políticos. A partir de decisão tomada em Minas Gerais pela Assembléia Legislativa local, o foro privilegiado naquele estado e em outros que buscam imitá-lo estende-se a políticos de primeiro, segundo, terceiro ou escalões inferiores; a ex-políticos e sabe-se lá a quem mais, pois os deputados mineiros resolveram fazer uma festa com esse privilégio que geralmente protege ou até mesmo blinda malfeitores que ostentam ou ostentaram posições na vida pública. O governador Aécio Neves vetou a lei de privilégio votada pela Assembléia. Mas esta derrubou o seu veto.
O presidente Lula pertence ao PT, um partido tido, dito e havido como de esquerda e socialista. Nos regimes socialistas, os crimes considerados contra o interesse público, campo onde atuam os políticos malfeitores, sempre são punidos com maior rigor e julgados com mais acuidade exatamente porque a vítima é a sociedade. Ao contrário dos crimes comuns, praticados por gente também comum, contra cidadãos. Aqui, os regimes comunistas vêem lesão menor e com evidente razão. Bater uma carteira na fila do ônibus não se compara a uma negociata do tipo mensalão, sanguessuga ou a descoberta de que uma empresa construtora (Gautama) montou uma enorme malha de corrupção para atuar em vários níveis de governo, garantindo a sua vitória em concorrências superfaturadas. Assim, parece muito mais lógico que com maior rigor se trate dos processos e da condenação desses marginais empoados e de colarinho branco, não porque estejam coroados de votos ou devotos nos meios políticos, mas em razão de que, usando das posições conquistadas não raro tapeando o povo ou comprando seus sufrágios, fazem negociatas que prejudicam muita gente, a coletividade.
Era de se esperar que o presidente Lula, melhor pensando sobre o assunto e principalmente melhor avaliando o peso de sua opinião, pois é presidente da República e tem no cargo inegável prestígio, tratasse o tema com maior cuidado. É certo que foros especiais, e que não precisam ser necessariamente privilegiados no sentido de que tratam com luvas de pelica os administradores e políticos delinqüentes, podem ser estabelecidos. Em alguns e determinados casos e não na extensão da farra que os mineiros resolveram fazer e em outros estados busca-se imitar. Ao dizer-se favorável ao foro privilegiado, Lula sustentou uma tese que merece reparos e deveria ser por ele objeto de uma posição mais crítica.
De qualquer forma, é bom que se admita que provavelmente Lula cometeu um equívoco. Equívoco primário, ao confundir foro privilegiado com prisão ou detenção privilegiada. Na mesma entrevista disse que não entendia legítimo que pessoas com cursos de nível superior tivessem foro privilegiado e isso não exista para os que não são bacharelados. Portar diploma de curso superior não garante foro privilegiado. Garante, sim, prisão ou detenção diferenciada, não misturando numa mesma cela um marginal comum e sem escolaridade com um bacharel criminoso. Aqui, há que se dar razão a Lula, pois é hora de acabar com este privilégio num País que busca a igualdade e até já tem um presidente da República sem escolaridade. Mas que ganhou por duas vezes a preferência do povo e tem demonstrado senão apetência e, para muitos, competência e mais condições para governar este País do que imaginavam seus adversários das classes antes dominantes e por ele derrotadas nas urnas.