Fome zero na Esplanada

Está havendo um pequeno equívoco no entendimento do que seja o programa Fome Zero, falado e decantado desde o anúncio da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República. Zerar a fome, além de mitigar o estômago vazio de milhões de brasileiros que não têm o que comer, poderia também significar saciar a fome suplementar que acomete as mentes dos mais bem pagos funcionários públicos da União. E, neste caso, o problema é sério: cada um faz a conta de quanto ganha o outro e, como num jogo de xadrez, aumento puxa aumento que, por sua vez, gera novas reivindicações.

Agora está no olho desse furacão o próprio presidente da República. A remuneração do “funcionário público número um”, encalhada nos R$ 8.280,00, está sendo encarada como um incômodo dique para o reajuste salarial de outros condestáveis, a começar pelos ministros já em piquete reivindicante devido – segundo dizem – aos altíssimos alugueres cobrados pelo mercado imobiliário sempre aquecido do Distrito Federal. Com tanto gasto, não sobra dinheiro para comer. Eis porque o Fome Zero serve também a altos assessores, deputados e ministros da República.

Vamos explicar melhor. Afinal, nem todo leitor tem tempo de acompanhar o que se passa em Brasília. No apagar das luzes do ano que passou, os deputados conseguiram, depois de “muita luta”, aprovar aumento em seus 17 ou 18 contracheques anuais. Queriam mais de cem por cento de reajuste, e ficaram com pouco mais de cinqüenta. O vencimento foi de R$ 8.500,00 para R$ 12.729,00 – já um escândalo, à vista da mixaria disponível para aumento do salário mínimo dos mortais trabalhadores, cujo valor, mais ou menos estabelecido em R$ 240,00, ficou no ar para evitar confrontos mais sarcásticos.

Pois bem, deputado unido jamais será vencido. Agora vem o resto: querem aumento das outras verbas – de R$ 25 mil para R$ 35 mil nas de gabinete; de R$ 7 mil para R$ 12 mil nas de manutenção de gabinete nos estados, e de R$ 3 mil para R$ 5 mil nas de auxílio-moradia. E porque fica mal deputado ganhar mais que o presidente, estão aconselhando Lula a aceitar o reajuste do próprio salário, que se igualaria no mínimo ao dos deputados federais, puxando também o cordão dos ministros e, naturalmente, assessores mais chegados… tudo porque é impossível viver com esse salário que aí está!

De Lula não se obteve até aqui indicativos para saber o que sobre o assunto ele pensa. Mas do candidato do PT à presidência da Câmara, o deputado João Paulo Cunha, já se obteve a sentença: “Acho uma injustiça o presidente e os ministros ganharem menos que os parlamentares”. O deputado advoga a tomada de iniciativa, pela Mesa, de fazer consulta formal ao presidente para viabilizar o aumento salarial dos ministros.

Desde que assumiu o governo, a equipe de Lula só sabe dizer que não tem recursos. E pede a colaboração do povo para arrecadar alimentos com os quais pretende saciar a fome dos excluídos. Parlamentares e ministros fariam um bem muito grande à nação se, pelo menos por enquanto, evitassem pedir dinheiro para aumentar seus próprios vencimentos, já tantas vezes acima dos que vivem do salário mínimo, ou menos.

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