Lula já passou fome. Saiu do Nordeste como migrante pau-de-arara, em busca de um ganha-pão como operário no “sul-maravilha”. São Paulo, a locomotiva do País que o puxa com sua portentosa indústria, comércio e agricultura e o envergonha com suas favelas, violência, miséria e desemprego. Ao assumir a chefia da nação, Lula lançou o Fome Zero como prioridade, sonhando com um programa que, em curto espaço de tempo, faria com que nenhum brasileiro passasse fome. Fracassou. Não exatamente ele, mas o programa, pois para organizá-lo e fazer com que funcione são necessários recursos imensos, uma mobilização de governo e sociedade competentes e uma organização complexa e eficiente.
Isso, num país em que há 22 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza, o que, em última instância, significa “passando fome”. Acredita-se que o programa, até agora, só atende a cerca de 5 milhões de famílias. E ainda atende mal, se bem que é melhor que o faça de forma precária, do que simplesmente ignorar essa vergonha nacional.
O presidente do Brasil procura e ganha, como meta política, liderança internacional. E a consegue, na medida em que aparece como o líder do terceiro mundo que fala num programa de Fome Zero mundial. E consegue reunir, na ONU, cinqüenta e cinco chefes de Estado, dentre eles alguns representantes de países poderosos. O mais poderoso, os Estados Unidos, não se fez representar por seu presidente, George Bush, mas pelo secretário da Agricultura. E já deixou claro que não apóia o plano de Lula. Outros, também poderosos, ainda não declararam apoio, mas comparecem aos encontros, prestigiados pelo secretário-geral da ONU, Kofi Annan, o que pode não significar a concretização do Fome Zero mundial, mas lhe dá o tamanho e cores de uma bandeira que eleva Lula à condição de um anti-Bush.
Dará certo esse programa do presidente brasileiro?
Sob o ponto de vista propagandístico, elevando-o à condição de líder mundial visível, sim. Do ponto de vista objetivo, de programa para matar a fome de milhões de pessoas no Brasil e em todo o mundo, dificilmente. Talvez impossível.
Indicando recursos para o gigantesco programa contra a enorme miséria mundial, Lula aponta, dentre outros, dinheiro de operações financeiras de paraísos fiscais e a taxação do comércio de armas. Aí, falta objetividade. Se as operações financeiras dos paraísos fiscais forem taxadas, não serão mais paraísos fiscais. E deles fugirão os capitais que lá se escondem dos impostos e, muitas vezes, de sua origem espúria. Se o comércio de armas for taxado excepcionalmente, para matar a fome de milhões de criaturas, teremos de transformar os que tocam a indústria de matar em santos, o que mais parece um milagre que um projeto conseqüente.
Vivemos num mundo em que nações subjugam nações, matam mulheres e crianças, fazem guerras e produzem terríveis atentados por motivos econômicos, imperialistas, religiosos e até racistas. Infelizmente, os homens e as sociedades não são tão idealistas quanto Lula. Pelo contrário, colocam suas ambições, interesses e preconceitos acima do respeito à vida humana. E a fome é, desse desrespeito, apenas um aspecto, uma faceta.
O presidente do Brasil e seus conselheiros sabem disso e que o Fome Zero é uma pregação no deserto. Ou um gigantesco golpe publicitário que, no mínimo, servirá para impressionar o público interno, à exceção dos nossos conterrâneos que continuam passando fome.